segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Os 20 anos da queda do muro de Berlim, e suas consequências para o mundo atual

Independente da visão que se tenha da experiência socialista no leste europeu, a simples imagem do velho e pichado muro sendo escalado e dilapidado por multidões eufóricas provou ser o suficiente para arrasar política e ideologicamente não só o “comunismo” como também todos aqueles que se identificam ou já se identificaram, mesmo que minimamente, com os ideais socialistas mais básicos.
Por Eduardo Grandi - autogoverno@gmail.com

Neste dia 9 de novembro completam-se vinte anos da queda do Muro de Berlim, que simbolizou o fim da chamada Guerra Fria – o período histórico marcado pela divisão do mundo entre dois sistemas rivais e antagônicos, o socialismo e o capitalismo. O desaparecimento do chamado “muro da vergonha”, que a exemplo do bloco socialista do leste europeu, desmoronou de forma tão súbita quanto surpreendente, representou o fim de um dos capítulos mais importantes da História moderna e acabaria levando a uma reviravolta de tal magnitude no mundo e na forma com que este se enxerga que não é exagero algum apontar tal evento como o marco zero da civilização atual.

Para entender em que medida tal evento moldou as nossas vidas, é preciso em primeiro lugar ter consciência de que a queda do muro de Berlim foi uma derrota histórica sem precedentes do socialismo frente ao capitalismo. Embora isso pareça visível, há aqueles que discordem apontando ao fato (muito pertinente, aliás) de que, à altura dos meses finais de 1989, pouco restava de comum entre a prática dos regimes do bloco soviético no leste europeu e os ideais teóricos e objetivos políticos apregoados pelo marxismo clássico, sem falar inclusive das importantes diferenças que as nações sob a tutela de Moscou guardavam com relação a outros países socialistas mundo afora, mais próximos dos autênticos ideais comunistas. Sob esse ponto de vista, seria tecnicamente correto afirmar que o que ruiu junto com o muro de Berlim em 1989 não foi o socialismo, e sim o stalinismo. Só que na prática, infelizmente, esta não é a percepção que se logrou construir na psique dos povos do mundo com relação a esse episódio histórico. Isso tem a ver com o fato de que a História da guerra fria e do seu súbito desfecho, como, aliás, ocorre com muitas outras histórias, é contada pelos vencedores desta: e o que esta “história dos vencedores” conta, sobretudo nos EUA e na Europa, é que a guerra fria não foi uma disputa entre capitalismo e socialismo, mas sim entre “democracia” e “comunismo”, ou “mundo livre” versus o “império do mal” soviético, em que, como em uma novela com um belo final feliz, a queda do muro de Berlim nada mais foi do que a vitória da “liberdade” sobre a “tirania”, ou simplesmente do “bem” sobre o “mal”.

O grande perigo de tal “visão” simplista e maniqueísta da história reside no fato de que, muito além de execrar os excessos (reais) do stalinismo no leste europeu, o que realmente se pretende e se consegue fazer com tal retórica é eliminar perante os olhos dos povos do mundo a diferença crucial que há entre stalinismo e socialismo. Assim, o totalitarismo e o conservadorismo burocrático comum aos regimes da dita “cortina de ferro” é convertido por essa visão manipuladora e determinista de um produto de uma realidade histórica específica do passado a um “resultado natural e inerente” do desenvolvimento do socialismo, um “caminho para a servidão” ao qual a simples busca dos ideais socialistas irá sempre e inevitavelmente nos conduzir...

Pior do que simples manipulações, independente da visão que se tenha da experiência socialista no leste europeu, a simples imagem do velho e pichado muro sendo escalado e dilapidado por multidões eufóricas provou ser o suficiente para arrasar política e ideologicamente não só o “comunismo” como também todos aqueles que se identificam ou já se identificaram, mesmo que minimamente, com os ideais socialistas mais básicos. Isso explica porque, antes mesmo do início dos anos 90, já haviam se esfumaçado as ilusões de certos setores da esquerda mundial, em especial social-democratas e trotskistas, que comemoraram a queda da União Soviética e do bloco do leste supondo ingenuamente que dessa forma seria possível separar o joio stalinista do trigo dos verdadeiros ideais socialistas, enquanto perante os olhos do mundo a grande mídia capitalista mundial exibia triunfante às imagens dos berlinenses a derrubarem o odioso muro, aquele mesmo que, por décadas a fio, a propaganda capitalista lograra em associar não ao “stalinismo” (palavra que por sinal nem sequer existe no vocabulário da grande imprensa), mas sim ao socialismo e a todo e qualquer ideal advindo dessa palavra. Não é de se surpreender portanto que, na nova ordem global nascida das cinzas do muro, tanto o trotskismo tenha permanecido na irrelevância política que sempre esteve quanto a social-democracia tenha, ironicamente, sucumbido de mãos dadas com o stalinismo. Pois o fato é que, junto com o muro, o pensamento de esquerda foi simplesmente varrido para longe da “política real”, fazendo do colapso do stalinismo um colapso da esquerda como um todo. Assim, os difíceis anos da década de 90 assistiram a um desgaste ideológico sem precedentes de todos os atores do espectro político de esquerda mundo afora, o que permitiu uma ascensão das forças capitalistas e conservadoras jamais visto na História. Assim, na Europa ocidental, berço do chamado “capitalismo humanizado”, encerrava-se com a queda do muro o pacto anticomunista firmado entre capitalistas e social-democratas no pós-guerra, que ficara marcado por uma era de compromissos do capital para com o povo trabalhador e tornou possível o surgimento do “Estado de bem-estar” social-democrata, o mesmo que hoje, 20 anos após o muro, se encontra totalmente desfigurado por “reformas” que, dia após dia, retrocedem as conquistas sociais acumuladas ao longo da guerra fria pelos movimentos laborais da região, desconstruídos freqüentemente pelos próprios partidos social-democratas, que preferiram voltar-se para a direita do que aceitar sua completa extinção política. Fora da Europa ocidental, tais implicações políticas advindas dos acontecimentos de 1989 em Berlim se fizeram sentir em muito maior intensidade. Com o fim da guerra fria e da divisão do planeta em blocos antagônicos, porta-vozes do capitalismo não hesitaram em decretar “o fim da História”. O mundo, antes dividido, agora se “unia” em torno do “livre mercado”, da competição, das privatizações e da “democracia” liberal capitalista, tudo resumido na ideologia do neoliberalismo, que transformado em unanimidade sacra e intocável pela retumbante queda do muro e de tudo de bom e de ruim que este representava, logrou produzir nos últimos 20 anos o maior e mais espantoso retrocesso social já visto na história da humanidade.

Porém, as conseqüências negativas da queda do muro de Berlim não ficaram confinadas à década de 90. O fato é que as comemorações pelos vinte anos da queda do muro podem ser facilmente usadas (e certamente o serão) para lançar uma nova carga contra os ideais socialistas mundo afora, justamente no momento em que tais ideais vão aos poucos sendo revividos pela ascensão de novos governos populares e progressistas na América Latina e em que a atual crise financeira mundial se soma a velhos problemas para tornar mais evidente do que nunca a incapacidade da nova ordem mundial capitalista em cumprir suas promessas de construir um mundo melhor.

Quanto ao muro em particular, a “história dos vencedores” irá seguir contando aquilo que mais condiz com a ideologia e os interesses dos donos do capital, dessa vez posando como voz unânime dos fatos históricos. Seguir-se-á ignorando a própria responsabilidade do chamado “mundo livre” (velho eufemismo para ocidente capitalista) na formação do muro, que no imediato pós-guerra usou sua posição material avantajada para compelir a pobre e arrasada Alemanha Oriental a fechar o acesso a Berlim Ocidental em 1961. Com o muro erguido, enquanto o lado oriental aliviava-se com o estancamento da sangria de sua mão-de-obra para o ocidente, que permitiu que a nação de 10 milhões de habitantes pudesse enfim começar a se reconstruir da guerra, líderes do ocidente comemoraram o surgimento do muro (por mais que o neguem oficialmente), já que este fora a única maneira de esfriar os ânimos na instável Berlim e afastar o risco iminente de uma Terceira Guerra Mundial. Também nada se dirá neste dia sobre outros “muros” tão vergonhosos quanto o de Berlim, como o muro da Palestina, o “muro” da fronteira México-EUA e, acima de tudo, a imensa “muralha” norte-sul que hoje divide o mundo entre países pobres e ricos e que, tal como Berlim na guerra fria, simboliza como ninguém todo o sofrimento e injustiça existente no mundo dominado pelo capital.

Quanto ao futuro do socialismo, o desaparecimento do tipo totalitário e burocrático de socialismo existente no leste europeu, apesar de todos os reveses e dos poderosos anúncios em contrário gritados sem cessar pela grande mídia capitalista, não conseguirá deter a busca pelos ideais socialistas, a saber a democracia plena, a igualdade, o bem estar comum e a construção de uma sociedade que tenha controle sobre si mesma e não mais seja controlada por minorias inescrupulosas, sejam elas burguesas ou burocráticas. O socialismo não acabou, mas o que as infâmias do muro e seu próprio desfecho deixam claro é que, se não quisermos que o socialismo acabe de fato, os comunistas e a esquerda revolucionária como um todo ainda têm a rever inúmeros conceitos e práticas que, no passado, foram mantidos como dogmas por detrás da “cortina de ferro” até serem repelidos por seus próprios povos numa súbita e extremada explosão à direita, resultando nas trágicas conseqüências que todos conhecemos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bem escrito!( desconsiderando o meu atropelo a Língua Portuguesa)Gostei muito do seu texto,adoraria virar a página dessa tragica historia mal contada e manipulada pela classe dominante.Falar de socialismo hoje,primeiramente exige coragem,pois uma sociedade que está enraigada ferozmente pelos ideais capitalista,no minimo marginaliza os idealistas ou utopicos como sao(somos) chamados.Mas,ainda que nos chamem de loucos façamos "la revolucion"!.OBS: Uma bem diferente daquelas guiadas com um pseudo-socialismo.