terça-feira, 12 de agosto de 2014

Israel x palestinos: um conflito sem fim?

Os embates atuais entre Israel e o Hamas na faixa de Gaza, que já mataram quase dois mil palestinos em um mês de bombardeios israelenses na região, reavivam de maneira explosiva o antigo conflito árabe-israelense e, ao redor do mundo, voltam a contrapor os que defendem os diretos do povo palestino à minoria que defende os interesses do Estado de Israel. Enquanto o mundo condena cada vez mais a reação desproporcional dos ataques israelenses à Faixa de Gaza (dos 1.928 palestinos mortos até a trégua do dia 11, a imensa maioria são civis, com grande parcela de mulheres e crianças, enquanto dos 66 israelenses mortos a imensa maioria - 64 - é de soldados que invadem Gaza) os defensores de Israel, cada vez mais isolados, disparam para todos os lados acusações de “anti-semitismo” aos seus opositores. Trata-se de uma acusação um tanto descabida quando se considera o significado da ideia do antisemitismo, que tem raízes milenares em preconceitos racistas e xenofóbicos contra os judeus, que justificaram desde as perseguições aos judeus na Idade Média até o extermínio em massa destes pelo regime nazista. Tachar de maneira generalizada as críticas à Israel com o nome de “antisemitismo” é uma acusação cínica e bastante útil que serve a poderosos interesses geopolíticos que vão muito além das fronteiras de Israel. Em épocas como essa, a longínqua lembrança de campos de concentração é evocada e o fantasma de Hitler é trazido à tona por tais interesses, que gritando a plenos pulmões, acusam qualquer um que questione minimamente as práticas do Estado de Israel de ser algum tipo de monstro pronto para exterminar todos os judeus da face da Terra. Mas quais são esses interesses? E por que tais interesses confundem, de maneira tão simplista e mecanicista, povo judeu com governo israelense, como se Estado e povo fossem duas substâncias radicalmente indissociáveis? E por que será que o governo dos Estados Unidos sempre apoia tão ferrenhamente o governo de Israel? Em outras palavras, quais as raízes do conflito entre árabes e israelenses, e o mais importante de tudo, será que tal conflito tem uma solução?


Para responder a essas perguntas é preciso descrever um conceito que nunca ou raramente é citado por governantes ou pela grande imprensa no mundo ocidental: o conceito de sionismo.

A doutrina do sionismo, que ganhou impulso no final do século XIX e começo do XX defendia que os judeus, dispersos à força por todo o mundo pelo Império Romano há dois mil anos, deveriam ser reorganizar em um Estado próprio, um País exclusivo para os judeus. Os sionistas, porém, exigiam que esse novo país fosse estabelecido em um local já ocupado por um povo (os palestinos). Queriam-no por motivos históricos (era na Palestina que, milhares de anos antes, houvera o então reino da Judeia), mas principalmente por questões de fundamentalismo religioso. Alegavam que a Palestina era a “terra prometida” por Deus ao seu povo. Com o final da Segunda Guerra Mundial o sionismo encontrou terreno fértil para se desenvolver. A ascensão do socialismo no mundo, representado pela União Soviética (que prestou apoio decisivo à libertação dos povos árabes do colonialismo europeu) representava uma séria ameaça ao domínio das potências capitalistas (imperialistas) sobre o Oriente Médio e seu petróleo. Assim, a criação de um Estado israelense na região seria instrumental para o estabelecimento uma ponta de lança dos interesses imperialistas (em especial dos EUA) na região. Igualmente, o clima mundial de repúdio ao genocídio de judeus perpetrado pela Alemanha nazista foi habilmente explorado em favor dos planos sionistas. Assim, com apoio decisivo das potências imperialistas, em na guerra árabe israelense de 1948-49 os palestinos foram expulsos à força de seu país, transformados num povo sem pátria. Em seu país alojaram-se os sionistas, fundadores do moderno Estado de Israel.

Desde a criação de Israel a doutrina do sionismo, que jamais demonstrou qualquer apreço pelos palestinos que ocupam a região há dois milênios, reforçou ainda mais seus contornos de extrema-direita e consolidou-se como uma ideologia belicista, fundamentalista e xenofóbica contra os árabes em geral. As constantes propostas de “soluções finais” para a questão palestina, apontadas de tempos em tempos por autoridades israelenses (tais como esterilização de mulheres, criação de campos de concentração, deportação em massa, etc.) são como profecias sombrias que se cumprem em conjunturas como a atual, em que supostas ações militares contra extremistas assumem o caráter de genocídio deliberado contra o povo palestino. É verdade que há aqueles que defendem a completa destruição de Israel e dos judeus. Mas se estes ainda existem é, em primeiro lugar, por culpa da persistente política israelense de violação de todos os acordos internacionais e da sistemática violação dos direitos humanos do povo palestino. A Cisjordânia, área designada aos palestinos pelos acordos de paz de 1993 e hegemonizada pelo partido moderado Fatah, não representa uma “ameaça terrorista” para qualquer pessoa em sã consciência. Mesmo assim, o expansionismo sionista há décadas vem invadindo esta área através da proliferação forçada de assentamentos de colonos judeus em territórios palestinos! Na Cisjordânia, diariamente os palestinos assistem impotentes ao processo lento, porém violento, de roubo dos seus raros mananciais de água e de suas poucas terras férteis, à destruição de suas plantações, às constantes ameaças de violência sionista, à supressão de seu direito de ir e vir e ao crescimento do infame Muro da Cisjordânia, verdadeiro muro de Berlim moderno construído por Israel, que separa os palestinos de suas terras e de si mesmos, tornando-os cada vez mais prisioneiros, marginalizados e segregados, dentro de seu próprio país! A mensagem que os sionistas querem passar ao mundo é clara: não será pela paz que se restabelecerão os direitos do povo palestino. Nada exemplifica melhor isso tudo que o destino dado a Yasser Arafat, o líder palestino que apostou na paz assinando os acordos de Oslo para, como prova da “gratidão” dos sionistas, terminar assassinado por envenenamento radioativo por agentes de Israel.

De fato, não é de surpreender que o Hamas seja produto direto da política sionista de Israel! Antes do “terrorismo” do Hamas, há o terrorismo de Estado de Israel contra os palestinos. E não é mera coincidência que países como a Síria e o Irã, inimigos históricos de Israel, sejam também adversários do Hamas, que na verdade representa o pretexto ideal para acelerar o processo de extermínio dos palestinos e assim terminar por conquistar para os sionistas (e somente para eles) a totalidade da “terra prometida”. E qualquer semelhança com o expansionismo nazista, que invadia países e exterminava povos “inferiores” em busca do “espaço vital” para a “raça ariana”, definitivamente também não é mera coincidência! De fato, cada vez mais o sionismo do Estado de Israel se aproxima de tratar os palestinos tal como os nazistas trataram os judeus nos campos de concentração, tornando Israel um estado criminoso comparável a regimes sinistros de segregação racial como o velho apartheid da África do Sul (com os quais, não é surpresa, Israel sempre manteve as melhores relações). Tudo, claro, patrocinado pelo sistema imperialista internacional encabeçado pelo governo dos Estados Unidos, grande financiador do terrorismo de Estado israelense e grande beneficiário dessa guerra sem fim e do controle geopolítico sobre a estratégica região do Oriente Médio que dela resulta.

Logo se vê porque, dentre essa minoria que defende as práticas infames do Estado de Israel, ainda mais raros são aqueles que têm a coragem de se definir como sionistas, essa palavra abolida dos noticiários da grande imprensa no mundo todo. Numa analogia exata, pouco ou nenhum fascista se reconhece enquanto tal. Na verdade, aí reside o problema de todo o conflito árabe-israelense: o sionismo alimenta o nacionalismo árabe radical e o fundamentalismo muçulmano, e este retroalimenta o sionismo, tornando-o cada vez mais belicoso e brutal. Com a Faixa de Gaza reduzida a ruínas e a Cisjordânia cada dia mais invadida e assimilada pelo sionismo, não há mais qualquer espaço para um Estado palestino independente. No fim das contas, a alternativa mais difícil para se resolver o conflito torna-se cada vez mais a única possível: derrotar o imperialismo e seu belicoso aliado, o sionismo, e retornar à situação anterior a 1948, quando árabes e judeus conviviam juntos em um mesmo Estado.

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