sábado, 25 de setembro de 2010

Crédito: o grande segredo da popularidade de Lula

A atividade do crédito é um importantíssimo termômetro da saúde econômica das Nações. Quanto mais dinheiro emprestado, mais as pessoas poderão comprar, mais as empresas produzirão e mais empregos serão criados. Diz também o quanto o governo, em grande parte através dos empréstimos de bancos públicos, tem contribuído para o quadro geral da economia, além de revelar muito sobre os resultados de programas de assistência à moradia como o Minha Casa, Minha Vida. Mas por outro lado, se as pessoas estão pegando muitos empréstimos, isso pode significar que elas vêm ganhando menos do que necessitam pra viver e consumir, gerando um círculo vicioso de consumismo desenfreado e endividamento.

O Crédito no Governo FHC: estagnação e especulação.

Na era FHC, os créditos estagnaram por conta do "congelamento econômico" promovido pelo Plano Real. O crédito total oferecido à economia em 1999 era quase o mesmo de dez anos antes, e o crédito de bancos públicos virtualmente não existiu por toda a década de 90. Para piorar, medidas neoliberais como a adesão do Brasil ao Acordo de Basiléia (1994), permitiram aos bancos aumentar sua lucratividade emprestando menos e especulando mais [1]. Em resumo, durante o (des)governo FHC, não só os empréstimos para o desenvolvimento econômico rarearam como também o sistema financeiro tornou-se essencialmente parasitário, vivendo basicamente de uma agiotagem desenfreada em torno do serviço da dívida pública.

O Crédito no Governo Lula (2003-2008): omissão do governo e sucesso aparente.

A situação começou a mudar no governo Lula a partir de 2005, quando o volume de créditos para a economia entrou em um crescimento acelerado. De menos de 24% do PIB em fins de 2004 [2], o volume de créditos saltou a 45,9% do PIB em agosto deste ano [3]. A tabela abaixo demonstra claramente o tamanho expressivo deste crescimento.



Chama a atenção o fato de que o crédito total ofertado à economia mais que dobrou no governo Lula, enquanto o crédito fornecido pelos bancos públicos (especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal) quase triplicou no período! Destaca-se também, conforme tabelas a seguir, a recente aceleração abrupta nos financiamentos para a habitação, puxados em grande parte pelas mais de 400.000 casas já contratadas para o programa Minha Casa, Minha Vida [4], que representa uma importante ação governamental (talvez inédita no país) de combate ao nosso vergonhoso défcit habitacional.

Porém, por trás desse aparente sucesso, esconde-se o fato de que muito desse crescimento do crédito no país, até o ano da crise mundial (2008), se deveu muito mais a uma melhor conjuntura econômica do que à ação do governo. Pois o fato é que (conforme as tabelas acima), até a crise de 2008, o crédito dos bancos públicos pouco cresceu no governo Lula, de forma que o crescimento no crédito foi muito mais puxado pelos bancos e financeiras privados, que por força da conjuntura atual, se tornaram menos parasitários (e mais financiadores do desenvolvimento) do que na era FHC. Dois motivos alheios ao governo levaram a esse crescimento do crédito privado: primeiro, a acentuada queda na taxa de juros SELIC (fixada pelo Banco Central, que é completamente autônomo com relação ao governo), que embora ainda seja uma das maiores do mundo, reduziu-se a ponto de frear a especulação e destravar o crédito (a SELIC despencou sucessivamente de 26% em 2003 a 17% em 2005 e 10,7% em 2010) [5]; e segundo, a necessidade dos bancos de encontrar onde reinvestir seus mega-lucros acumulados por décadas com a agiotagem da dívida, levando-os a ir além da especulação pura e simples e a diversificar seus negócios oferecendo mais crédito.

A Crise de 2008: intervenção do Estado e explosão dos empréstimos!

A ausência quase total do governo no setor só começou a mudar com a crise mundial de 2008, a mais grave do capitalismo internacional em quase um século. Para tentar impedir o afundamento da economia, o governo Lula se viu obrigado a "abrir a carteira" dos bancos públicos, que a partir daí registraram um crescimento vertiginoso nas suas atividades, puxando o crédito total da economia pra cima e ajudando a atenuar os efeitos da crise no país. Porém, embora tenha sido um movimento importante no sentido de desconstruir o dogma neoliberal do "Estado mínimo", reforçando o papel estatal de condutor e orientador do desenvolvimento, pouco adiantou para impedir o fiasco do Brasil frente à crise. Pior, tudo indica que tal movimento de reforço do crédito por parte do Estado seja apenas temporário, uma "medida excepcional" apenas para combater a crise; de fato, à medida que a crise vai se distanciando, voltam a crescer as pressões neoliberais-conservadoras dentro e fora do governo contra o que se considera um "crescimento excessivo e perigoso" do crédito [6][7]. Além do mais, há que se estudar mais a fundo o quanto desse crescimento súbito do crédito público se perdeu nas "operações de socorro" aos lucros das grandes empresas "em dificuldades" por conta da crise; de fato, o comportamento anômalo da oferta de crédito no Brasil, com seu súbito crescimento durante a crise, na verdade não desconstrói o neoliberalismo do governo Lula, mas antes o reforça: Estado mínimo e especulação desenfreada em tempos de "prosperidade", Estado "gigante" e "intervencionista" para salvar os lucros dos capitalistas durante as crises!





Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.

Na explosão do crédito registrada após a crise de 2008, há que se destacar o crescimento vertiginoso do crédito à pessoa física para consumo (dinheiro emprestado para as pessoas comprarem mercadorias) e a sua íntima associação com os altíssimos índices de popularidade do governo Lula. Observando as tabelas logo acima, vê-se que o crescimento médio anual de diversas modalidades de crédito para consumo pessoal acelerou bastante após 2008. De 2002-08 a 2008-10, o crescimento médio anual do crédito para consumo acelerou de 5,7% a 11%, o cartão de crédito foi de 22,4% a 24,7%, os empréstimos de bancos públicos para o consumo saltaram de 12,2% a 27,8% e o crédito para compra de veículos disparou de 8% a 23% [8]! O detalhe crucial, que a muitos passou despercebido, é que os índices de aprovação e confiança da população em Lula, medidos pelo Ibope e pelo Datafolha, só alcançaram os atuais valores recordes (mais de 70%) por volta do final do primeiro semestre de 2008, a mesma época da disparada da oferta de crédito para o consumo! Antes disso, Lula tinha índices de aprovação tão ruins quanto o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (em torno de 50% ou até menos) [9]!

Disto conclui-se que um dos principais fatores (senão o principal) do "sucesso" do governo Lula, quiçá da própria consolidação do "lulismo" como força política de massas, é a recente e inédita explosão de uma onda consumista por parte do povo, financiada por empréstimos e mais empréstimos! Aqui vale como nunca o velho bordão lulista de que "nunca antes neste país" o povo consumiu tanto quanto dos últimos dois anos para cá! Isso produziu junto ao povo uma súbita sensação de riqueza e de melhora no padrão de vida como jamais se viu antes, numa aparência ilusória que constitui o lado mais perverso do reformismo do PT. Pois o fato é que, fazendo-se o povo consumir mais e mais supérfluos, se camufla a triste realidade das coisas essenciais à vida! Esconde-se mais facilmente, pela ilusão consumista, que o governo Lula em nada melhorou nossa saúde e nossa educação, pouco fez contra o desemprego, a exploração, os baixos salários e os altos lucros dos capitalistas, a criminalidade e o caos urbano, a violência no campo... Pior, serviu para esconder até mesmo os piores retrocessos do governo lula, e estabeleceu um "ciclo de crescimento" instável e potencialmente catastrófico, porque sustentado numa torrente de empréstimos e endividamento sob taxas de juros ainda muito elevadas.

EM RESUMO, esta é a herança da opção reformista do PT, explicada por sua política de abundante crédito popular ao consumo: um povo que se vê em um "presente brilhante" comprando carros, celulares e televisores de plasma, mas que mal sabe ler, morre nas filas do SUS e que, com tudo isso, sem saber vai condenando o seu próprio futuro.


[1] http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2001/td_808.pdf
[2] http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/RELATORIOFEBRABANEvolucaodoCredito112007.pdf
[3] http://www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual2007/rel2007cap2p.pdf
[4] http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/minha-casa-atinge-408-da-meta-de-1-milhao-de-casas.html
[5] http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=486605261&Tick=1283290138146&VAR_FUNCAO=Ser_MUso()&Mod=M
[6] http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4406270-EI6579,00-Julio+contra+superaquecimento+BC+deveria+reduzir+credito.html
[7] http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/zhdinheiro/19,0,2819552,Para-reduzir-credito-BC-aumenta-taxa-do-deposito-compulsorio-de-bancos.html
[8] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM
[9] http://noticias.uol.com.br/politica/pesquisas/


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