segunda-feira, 14 de março de 2011

A Líbia bombardeada e o futuro da revolução democrática no mundo árabe

Há algumas semanas a Líbia tornou-se a bola da vez na impressionante sequência de revoluções que varrem o mundo muçulmano, a mesma Líbia que ficou famosa uma década atrás ao ter uma fábrica de remédios confundida por "indústria de armas de destruição em massa" pelos bombardeios do Império estadunidense, e que agora, de acordo com a grande mídia internacional, estaria bombardeando o seu próprio povo para tentar em vão parar a onda revolucionária.

Kadafi é um tirano, um autocrata que no passado ajudou terroristas a chacinar civis inocentes às centenas, como no caso da explosão do voo da Pan Am em 1988, e que nos últimos anos renunciou aos seus próprios princípios para entregar seu país ao grande capital estrangeiro. Seu tempo já passou, como já passou o dos demais autocratas do mundo árabe. Mas isso não significa que não possamos ficar preocupados com o que as potências capitalistas planejam para a Líbia.

Seria coincidência o fato das potências capitalistas romperem relações com Trípoli e reconhecerem a insurgência como o novo "legítimo representante" da Líbia imediatamente depois de Kadafi anunciar à ONU que está aberto para receber uma comissão estrangeira para averiguar a situação da violência no país? Seria coincidência o fato da OTAN cogitar unilateralmente a realização de ataques contra a Líbia, passando por cima da comunidade internacional, justamente quando o exército líbio começa a vencer suas primeiras batalhas contra os rebeldes? O afã dos Estados Unidos e da sua OTAN em derrubar Kadafi o quanto antes teria a ver com o anúncio do governo líbio de que, uma vez resolvido o conflito, iria-se rever os contratos das petroleiras da Europa e da América do Norte no país, em benefício de empresas chinesas? Ou pior, estariam as potências capitalistas com medo de "perder a oportunidade" de "se livrar" de Kadafi e das supostas provas de envolvimento do "ocidente" na onda de violência que precipitou a guerra civil? Se não, por que a OTAN (leia-se Estados Unidos) tem tanta pressa de impor "zonas de exclusão aérea" e outras formas de envolvimento direto no conflito, quando quem tem que decidir a respeito é a comunidade internacional?

É preciso ressaltar que a questão vai muito além de tão somente não deixar o Império "atropelar" outra vez a vontade do mundo. Tem a ver com o futuro da Líbia, de seu povo e de seus recursos naturais, incluindo aí uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Não custa perguntar, o que a força insurgente líbia ofereceu às potências capitalistas para poder ser reconhecida como "legítimo representante" do povo líbio? Tem algo a ver com o futuro novo governo que eles, e não o povo, planejam para a Líbia? Depois da pilhagem desavergonhada que os ianques fizeram sobre o petróleo do Iraque invadido e ainda hoje ocupado, passando autoritariamente por cima da ONU e das leis internacionais, que garantia temos que a pretensa "polícia do mundo", sempre contando com a traição de elites locais brutais e corruptas, não irá roubar outro país inteiramente para si?

Estas são as razões pelas quais a comunidade internacional, representada pela ONU, e não a força de agressão aos povos e às leis internacionais que é a OTAN, é quem deve fiscalizar o processo de transição na Líbia pós-Kadafi. Só assim pode-se haver um mínimo de possibilidade de que a voz do povo líbio se faça ouvir no novo governo, e que não estejamos a ver na Líbia um retrocesso, a implantação de outro regime fantoche do imperialismo, justo num momento em que tais regimes caem um atrás do outro por todo o mundo árabe.

Um comentário:

J.L.Tejo disse...

A questão tem que ser colocada claramente, como foi feito no post. Não é por ser alvo dos ianques que Kadafi se transformará no "heroi" da História.

É preciso repudiar a invasão imperialista- mas há que repudiar também a ditadura de Kadafi. Todo poder ao povo líbio e à sua autodeterminação.