terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Fórum Social Mundial Porto Alegre 10 anos: um balanço.

Àqueles que lutam mundo afora contra a hegemonia do capital, não há hoje no planeta outro espaço como o Fórum (...) de forma que apontar os problemas deste como razão para se furtar de tal espaço representa uma atitude sectária e pouco construtiva (...) Fica [porém] cada vez mais evidente que o Fórum Social Mundial já cumpriu seu papel histórico (...) Torna-se urgente a necessidade de ser ir além, de se alcançar novos patamares organizacionais para as futuras lutas anti-capitalistas globais, criando-se novos e mais avançados instrumentos de organização a nível mundial.
por Eduardo Grandi (autogoverno@gmail.com)

Em seu décimo ano de existência, o Fórum Social Mundial terá em 2010 inúmeros encontros por todos o planeta, com destaque para os Fóruns da Palestina, do Iraque, de Istambul, de Detroit (EUA), de Belém do Pará e inúmeros outros, todos “abertos” simbolicamente pelo Fórum Social Mundial Grande Porto Alegre – 10 anos, ocorrido de 25 a 29 de janeiro na região metropolitana da capital rio-grandense, berço deste evento que, desde 2001, tem servido de encontro para debates e trocas de experiências entre forças progressistas de todo o planeta, sendo ao longo desses dez anos o grande pólo inspirador e aglutinador de todos aqueles que acreditam em “um outro mundo possível”.

O Fórum de Porto Alegre 2010 teve números expressivos. 35.000 participantes (mais da metade de mulheres) e 15% de estrangeiros vindos de 39 países. Pouco se comparado com os mais de cem mil participantes de Belém em 2009 e Porto Alegre em 2005 (última edição ocorrida na capital gaúcha), mas muito se considerarmos que, em tais edições, o Fórum Social Mundial fora “unificado” em um só evento, e não partilhado mundo afora em diversos fóruns menores que nem agora. Inclusive há de se considerar que, mesmo “regionalizada”, a edição de 2010 foi maior que edições “mundiais” como a de 2001.

Tais números, no entanto, podem camuflar os graves problemas e limitações do Fórum Social Mundial, que nessa edição de Porto Alegre parecem ter alcançado o auge. Além da bagunça generalizada na organização do evento (muito pior que nas edições anteriores), que fez com que praticamente todas as palestras e oficinas sofressem alterações de última hora, seja nos palestrantes, nos horários ou até mesmo nos locais, houve também a disputa pelos ganhos políticos do evento entre o prefeito de Porto Alegre, o direitista José Fogaça (PMDB) e os prefeitos petistas das cidades próximas, o que levou a um espraiamento das atividades do Fórum por toda a região da Grande Porto Alegre. Alocadas em cidades distantes, atividades importantes como as da tradicional “Casa de Cuba” (mandada para a distante cidade de São Leopoldo) caíram no completo ostracismo por conta da distância e do isolamento. Já o tradicional “Acampamento da Juventude”, “desterrado” para Novo Hamburgo, obrigava os poucos lá alojados, por conta de sua distância excessiva, a gastar mais de uma hora de trem e de ônibus para se chegar à Porto Alegre...

Porém, muito pior do que o total descaso de autoridades e comissão organizadora para com a funcionalidade do evento, foi o caráter político deste. Há anos que o Fórum Social Mundial vem se convertendo em um espaço de muito debate e pouca ação, onde sobram ONGs apolíticas (muitas delas ligadas a grandes corporações transnacionais) e faltam certas organizações e partidos mais combativos e de conteúdo político mais maduro. Exceção importante, o MST teve esse ano presença reduzida no evento, dizem as más línguas por conta de um acirramento das disputas político-ideológicas no interior da entidade, sensação reforçada pelas declarações bombásticas do líder do MST, João Pedro Stédile, que afirmou à imprensa bem no meio do evento que ocupar terras “não soma mais aliados e portanto não interessa mais” ao Movimento. Assim, aproveitando esse espaço deixado pelo MST e outros grupos menores, organizações oportunistas nada preocupadas com “outro mundo possível” tomaram de assalto o Fórum de Porto Alegre como nunca. Foi esmagadora a presença de centrais sindicais “pelegas” e/ou governistas como a Força Sindical e a CUT, que usaram o evento para tentar impor de forma escancarada seus próprios projetos políticos, incluindo a promoção da imagem do governo Lula e de sua candidata à Presidência. Também a organização do evento, controlada pela governista CUT, refletiu a triste realidade de um Fórum Social convertido em palanque desavergonhado do lulismo, com o boicote e a marginalização de atividades menores e a super-promoção de atividades “em defesa” do governo do PT, como a dita assembléia dos “Movimentos Sociais” do dia 29, quase uma “festa particular” de entidades governistas e que, a exemplo das demais oficinas dos dias finais do Fórum, foi um fracasso em termos de público. Nem mesmo o próprio Presidente Lula escapou desse desinteresse. Seu comício no dia 26 não foi capaz de lotar o ginásio do Gigantinho, o mesmo que cinco anos antes ficou completamente abarrotado para ver o Presidente venezuelano Hugo Chávez defender pela primeira vez o “socialismo”. Tudo isso demonstra o perigo que o sectarismo do governismo escancarado representa à própria sobrevivência a longo prazo do Fórum Social.

No entanto, mesmo com tantos problemas, tal evento ainda não perdeu a sua extrema importância como espaço único de encontro e intercâmbio entre movimentos, partidos e entidades progressistas de todo o planeta, comprometidas em maior ou menor grau com a superação da ordem global capitalista e em prol de uma nova sociedade mais justa e igualitária, de forma que apontar os problemas do Fórum Social Mundial como razão para se furtar deste espaço representa uma atitude sectária e pouco construtiva.

De fato, àqueles que lutam mundo afora contra a hegemonia do capital, não há hoje no planeta outro espaço como o Fórum, o que não significa porém que este seja o produto acabado e definitivo da luta anti-capitalista global. Em verdade, fica cada vez mais evidente que o Fórum Social Mundial já cumpriu seu papel histórico: pois se este no passado recente serviu valiosamente em favor da recomposição e reorganização das forças progressistas do planeta, que se encontravam em refluxo desde o fim do socialismo no Leste Europeu, hoje porém as condições são outras. Houveram avanços significativos na luta anti-capitalista e derrotas importantes das forças do capital na última década, tornando a estrutura excessivamente descentralizada e meramente debatedora e não-deliberativa do Fórum Social obsoleta perante a necessidade de se lidar com as conquistas já acumuladas e de se enfrentar os novos desafios por vir. Torna-se urgente a necessidade de ser ir além, de se alcançar novos patamares organizacionais para as futuras lutas anti-capitalistas globais, criando-se novos e mais avançados instrumentos de organização a nível mundial (como internacionais de partidos políticos e/ou movimentos sociais genuinamente de luta) capazes de deliberarem posições conjuntas e organizarem, também em conjunto, a tão necessária e ainda ausente ação prática e transformadora em escala global.

Até lá (e talvez mesmo depois), apesar de falhas organizacionais e até mesmo de vergonhosas tentativas de aparelhamentos governistas, o Fórum Social continuará sendo o espaço principal de encontro e organização das forças progressistas e anticapitalistas do mundo, não somente por seu caráter único, mas também (e isso é o que o Fórum tem de mais importante) por sua enorme pluralidade e riqueza de idéias, que mesmo por vezes ilusórias ou até mesmo ingênuas, permitem que nós comunistas, marxistas e socialistas revolucionários, possamos de tempos em tempos (re)pensar algumas de nossas práticas e visões de mundo, proporcionando assim um verdadeiro remédio contra todo e qualquer engessamento conservador, seja ele liberal-direitista ou burocrático-esquerdista.

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