quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Cuba e o WikiLeaks

Uma das inúmeras correspondências secretas do governo norte-americano, endereçada a Washington pelo Escritório de Interesses dos EUA em Havana e fornecida pelo site WikiLeaks ao jornal espanhol El País, traz diversas informações a respeito de Cuba.

Em primeiro lugar, salta aos olhos a descoberta do fato de que Anna Ardin, uma das suecas que acusam Julian Assange de estupro, tem ligações com grupos opositores anti-Cuba, que por sua vez se ligam tradicionalmente à CIA e ao Império estadunidense. Estaria assim revelada a conexão entre o governo estadunidense e a prisão de Assange, decretada pelo Judiciário sueco?

Mas há muito mais no WikiLeaks a respeito de Cuba, embora não se possa comprovar a veracidade de quaisquer das informações veiculadas pela organização.

Em primeiro lugar, dizem os escritos da diplomacia estadunidense em Havana que membros do ETA, das FARC e do ELN teriam estado em Cuba nos últimos anos, e que o governo castrista seria "capaz de influenciar" a guerrilha colombiana, embora se reconheça que não houve qualquer "planejamento de ações" por parte desses grupos dentro da ilha ou com o apoio de seu governo. O documento reconhece também a recusa da liderança da Revolução Cubana em permitir que outros países usem seu território para planejar ações "hostis" contra o Império, e admite que não existe em Cuba qualquer tipo de iniciativa "terrorista" anti-EUA, nem por parte do governo nem por parte de quaisquer grupos lá presentes - o curioso é que, mesmo com isso tudo, Cuba continua figurando há décadas na lista do governo estadunidense de "países que apóiam o terrorismo"!

O documento também afirma, na visão dos representantes norte-americanos em Havana, que o governo de Cuba "mantém controle quase total sobre todas as organizações da ilha", que a "corrupção" (notadamente a chamada "pequena corrupção") estaria largamente difundida por conta da delicada situação material do país, e que a Direção de Inteligência cubana é "profissional, capaz e altamente efetiva na penetração em redes na ilha e na perseguição de indivíduos que considerem ser terroristas".


O El País da Espanha distorce as palavras do diplomata estadunidense em sua manchete, ao falar de uma tal "eficácia cubana contra dissidentes", mas não menciona quem são esses "dissidentes", ignorando por exemplo o episódio, relatado no próprio documento, em que um desses "prisioneiros políticos" ameaçou um dos diretores do escritório de interesses dos EUA em Havana, simplesmente por causa da "demora" deste em agir "em favor da sua causa" de "refugiado". Outro jornal, o Miami Herald, dos EUA, deu mais ênfase à existência de "terroristas" em Cuba do que ao fato de que, se são terroristas de fato, não estiveram em Cuba para planejar ou fazer "terrorismo" - e tampouco receberam apoio do governo cubano para tanto.

De fato, conforme demonstra a cobertura dada à imprensa sobre os "CableGates" de Cuba, uma das grandes fragilidades dos relatórios do WikiLeaks tem sido justamente o "crivo" que estes recebem dos grandes jornais antes de chegarem ao conhecimento do grande público. Por simples comodidade, as pessoas preferem ler ou assistir as reportagens do seu jornal ou telenoticiário favorito do que ler a íntegra (em inglês) dos documentos originais do WikiLeaks em um dos inúmeros "espelhos" do site na internet. Em outras palavras, os "fatos" podem ser novos e até bombásticos, mas eles continuam sendo filtrados pelas mesmas mãos de sempre. Os próprios jornais reconhecem que fazem uma "seleção" das informações que recebem do WikiLeaks, descartando o que vêem como "falso", e obviamente "trabalhando" os relatórios para inseri-los em suas manchetes e reportagens - e ninguém é ingênuo de acreditar que, ao fazê-lo, os meios de imprensa não desviam "um pouco" a essência dos informes, sempre de acordo com seus próprios preconceitos e interesses. A grande mídia pode assim usar facilmente o nome do WikiLeaks para intensificar a difusão das suas próprias "visões de mundo" acerca dos governos e de suas relações, dando ênfase ao que for do interesse do poderes econômicos que sempre o apoiaram, e relativizando (ou até mesmo ignorando) o que não for de tais interesses – tudo isso, claro, sem deixar de lucrar com a venda das "verdades" contidas nos "CableGates".

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