sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um Convite*

Creio que a Revolução Cubana dignificou nosso país e os cubanos. E que o Governo Revolucionário tem sido o melhor governo de nossa História.

Sim: antes da Revolução, Havana estava muito mais pintada, os buracos eram poucos e se caminhava ruas e ruas de lojas cheias e iluminadas. Mas, quem comprava naquelas lojas? Quem podia caminhar com verdadeira liberdade por aquelas ruas? Claro, os que “tinham com que” nos seus bolsos. Os demais, a ver as vitrines e a sonhar, como minha mãe, como nossa família, como a maioria das famílias cubanas. Por aquelas avenidas fabulosas somente passeavam os “cidadãos respeitáveis”, bem considerados em primeiro lugar por seu aspecto. Os esfarrapados, os mendigos, quase todos negros, tinham que rodear, porque quando um policial os via em alguma rua “decente”, a cacetetes eram retirados dali.

Isto eu vi com meus próprios olhos de criança de 7 ou 8 anos e continuei vendo até meus 12, quando triunfou a Revolução.

Na esquina da minha casa havia dois bares, em um deles, as vezes, em vez de jantar, tomávamos uma vitamina. Em várias ocasiões passaram marines, caindo de bêbados, buscando prostitutas e se metendo com as mulheres do bairro. Um jovem vizinho nosso, que saiu para defender sua irmã, o atiraram ao chão e quando chegou a polícia, quem acham que levaram? Os abusados? Claro que não. A pontapés pelos fundilhos levaram aquele jovem universitário que, logicamente, depois se destacava nas manifestações estudantis.

Aí estão as fotos de um marine urinando, sentado na cabeça da estátua de Martí, no Parque Central de nossa Capital.

Isso era Cuba, antes de 59. Pelo menos assim eram as ruas de Centrohabana que eu vivi dia a dia, no distrito de San Leopoldo, pegado a Dragones e Cayo Hueso. Agora estão destruídas, me desagrada passar por ali porque é como ver as ruínas da minha própria infância. Cantei-a em “Trovador antiguo”. Como pudemos chegar a semelhante deterioração? Por muitas razões. Muita culpa nossa por não haver visto as árvores, embelezadas com o bosque, mas culpa também dos que querem que regressem os marines para humilhar a imagem de Martí.

Estou de acordo em reverter os erros, em banir o autoritarismo e construir uma democracia socialista sólida, eficiente, com um funcionamento que sempre se possa melhorar, que se garantisse a si mesma. Me nego a renunciar aos direitos fundamentais que a Revolução conquistou para o povo. Antes de mais nada, dignidade e soberania e também saúde, educação, cultura e uma velhice honrada para todos. Gostaria de não descobrir o que está acontecendo no meu país, pela imprensa do exterior, cujos enfoques trazem não pouca confusão. Gostaria que melhorasse muitas coisas que eu disse e outras que não disse.

Mas, acima de tudo, não quero voltar àquela ignomínia, aquela miséria, aquela falsidade de partidos políticos, que quando ganhavam o poder se entregavam ao maior lance. Tudo aquilo acontecia com amparo na Declaração dos Direitos do Homem e da Constituição de 1940. A experiência pré-revolucionária cubana e em muitos outros países, demonstra o que importa direitos humanos nas democracias representativas.

Muitos daqueles que hoje atacam a Revolução, foram educados por ela. Profissionais imigrantes, que comparam forçosamente as condições ideais da “culta Europa”, com a de Cuba fustigada. Outros, mais velhos, que talvez chegaram a “ser algo”, graças à Revolução, hoje se exibem como ideólogos pró-capitalistas, estudiosos das Leis e da História, disfarçados de trabalhadores humildes.

Pessoalmente, eu não suporto os “vira-casacas” fervorosos; estes arrependidos, com seus cursinhos de marxismo e tudo, que eram mais papistas que o Papa e agora são seu próprio reverso. Não lhes desejo mal, a ninguém desejo, mas tal inconsistência me deixa enojado.

A Revolução, como Prometeu (devo-lhe uma canção com esse nome), iluminou os esquecidos. Porque em vez de dizer ao povo; acreditem, lhes disse; leiam. Portanto, como o herói mitológico, querem fazê-la pagar por sua ousadia, amarrando-a em um cume distante, onde um abutre (ou uma águia imperial) devorará eternamente suas entranhas. Eu não nego os erros e os voluntarismos, mas eu não sei esquecer o apelo do povo da Revolução contra os ataques, que têm usado todas as armas para ferir e matar, com os mais poderosos e sofisticados meios de comunicação (e distorção) de idéias.

Eu nunca disse que o bloqueio tem toda a culpa por todas as nossas desgraças. Mas, a existência do bloqueio não nos deu a oportunidade de medirmos a nós mesmos.

Eu gostaria de morrer com as responsabilidades de nossa desfaçatez bem esclarecidas.

Por isso, convido todos aqueles que amam Cuba e desejam a dignidade aos cubanos, a gritar comigo agora, amanhã, em toda parte: ABAIXO O BLOQUEIO!

* Por Silvio Rodríguez (fonte: http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/09/10/invitacion/)
Tradução Cuba Viva

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