O
dia 26 de julho de 1953 marcou a entrada definitiva
no cenário político do homem que se tornaria uma das
figuras
mais
impressionantes da
história moderna. Liderando
uma centena de rebeldes no
assalto ao quartel de Moncada, em Cuba, o
jovem advogado
Fidel Castro Ruz, até
então
um
promissor e atuante líder estudantil,
foi
feito prisioneiro da tirania que buscava derrubar. Seu
país era então governado pela corrupta e autoritária ditadura de
Fulgencio Batista que, apoiado pelos Estados Unidos, consolidara Cuba como mera colônia do gigante do norte, quintal dos grandes
capitalistas e da máfia estadunidense que, às custas da completa
miséria da grande maioria do povo, converteram
a ilha no "prostíbulo do caribe". A severa repressão da
tirania batistiana
contra qualquer foco de descontentamento não deixava outro caminho a
jovens com sede de justiça social senão
o da luta armada. E foi assim que, contando
com apenas
27 anos, Fidel
se
viu diante da tarefa de fazer
sua própria defesa perante o tribunal da
ditadura,
no qual defendeu de
forma contundente o direito dos povos à rebelião contra a
injustiça. O discurso seria
mais tarde transcrito
em um livro, que
receberia o título da frase final de sua defesa: "a História
me absolverá".
Com
sua desaparição física ocorrida nesta sexta 25,
chega o momento de se fazer o balanço da
vida do
revolucionário e estadista cubano.
E a História
tem certamente
muito
a falar a
seu respeito.
Solto
da prisão após a insurreição fracassada, Fidel exilou-se no
México de
onde,
junto com Che Guevara, Raúl Castro e Camilo Cienfuegos, organizou
nova incursão militar rumo
a
Cuba em
dezembro de 1956.
Viajando no iate Granma os 82 combatentes foram, porém,
surpreendidos
pelas
forças da ditadura logo
no
desembarque em
Cuba,
sendo quase todos mortos.
Ainda
assim, as forças rebeldes lograram se
reagrupar
nas florestas de sierra maestra, no oriente da ilha, de onde os
"barbudos" lançaram uma guerra de guerrilhas contra o
regime Batista. O enorme prestígio político de Fidel, já bastante
conhecido pelo povo cubano, provou ser a grande arma dos
guerrilheiros para aglutinar
o apoio de camponeses, operários e da população em geral de
forma a
rapidamente tomar conta do país. Em 1° de janeiro de 1959, ante
a fuga do ditador Batista para a República Dominicana,
Fidel lidera a entrada triunfal das forças rebeldes em Havana. Mas a
Revolução Cubana, principal acontecimento histórico da América
Latina no século vinte, estava apenas começando.
Nomeado
Primeiro-Ministro do governo revolucionário, Fidel logo
mostrou que não pretendia ser outro
caudilho populista latino-americano.
Sustentado
por um suporte popular esmagador,
começou
a realizar transformações de fundo em Cuba que puseram a jovem
revolução em
rota de colisão com o governo dos Estados Unidos. Movido por seu
patriotismo e por um profundo senso de justiça social, Fidel iniciou
processo radical de reforma agrária e de nacionalização do grande
capital privado estrangeiro, ao que o gigante do norte respondeu com
uma hostilidade crescente. O momento exato em que se deu a conversão
ideológica do líder cubano, de
sua origem política conservadora para o comunismo, ainda é motivo
de controvérsia. Fato, porém, é que os anos de luta contra a
tirania e o posterior choque dos interesses libertários
da
revolução com
os interesses imperialistas do gigante do norte, em
um cenário onde a polarização mundial
entre
capitalismo e socialismo se
encontrava
no auge, conduziram
rapidamente a revolução cubana e seu líder maior a um processo de
radicalização sem precedentes. Tal
processo se consolidou simbolicamente em abril de 1960, por ocasião
da tentativa de invasão da ilha pelos EUA em Playa Girón, em que
Fidel proclamou oficialmente o caráter socialista da Revolução, e
sentenciou: "sou marxista-leninista, e o serei até a morte".
O
fracasso
da incursão imperialista acabou se tornando a primeira derrota
militar dos Estados Unidos em toda
a História do
continente.
Liderada
por Fidel no rumo do socialismo, a Revolução proporcionaria ao povo
cubano nas décadas seguintes avanços sociais e econômicos até
hoje inalcançados por nenhuma outra nação latino-americana. Foram
erradicados o analfabestismo, a fome e a miséria. A
mais profunda
reforma agrária de todo o continente acabaria de vez com o
latifúndio. Desenvolveram-se
sistemas
de educação e saúde de acesso universal e gratuito com padrão
comparável aos dos países mais desenvolvidos. E a difusão massiva
da cultura e da prática esportiva a toda a população acabariam por
converter o outrora pequeno e atrasado país num celeiro de grandes
artistas e de campeões olímpicos. Tão
fenomenais
avanços,
resultantes
da
completa expropriação dos capitalistas da
ilha,
levariam as
velhas oligarquias latino-americanas (em
aliança com o imperialismo estadunidense)
a
mergulhar o
continente
em sangrentas ditaduras empresariais-militares que,
no
seu desespero
por sufocar
o exemplo cubano,
levariam ao assassinato e ao desaparecimento de milhares de
militantes sociais em todo o continente.
Levariam,
também, a agressões de todo tipo contra Cuba socialista, desde
atentados a
bomba
até o sequestro de crianças e ataques
com
armas
biológicas.
A
todas essas agressões o povo cubano resistiu, como também Fidel
resistiu às mais de 600
tentativas de assassinato movidas
contra ele pelos EUA e seus comparsas.
Sob
o governo de Fidel, nos
polarizados anos da Guerra Fria, Cuba tornou-se
ponta de lança
da
luta anti-imperialista
internacional.
Sua
atuação
no movimento dos países não alinhados e
a intervenção militar cubana na África mostraram-se
decisivos na derrota do colonialismo e do apartheid na África do
Sul, feito
reconhecido por Nelson Mandela, que chamou Fidel de "irmão de
luta". Também
mostrou-se decisivo o apoio de Fidel à consolidação da revolução
sandinista na Nicarágua, convertida
no
"segundo território livre das
Américas".
Mas
na
virada das décadas
de 1980-90
a
Revolução
Cubana
se viu
prestes a pagar um
preço alto demais por seus
erros.
Quando
a forma de socialismo adotada pela União Soviética e copiada por
Cuba, com
seu estatismo e burocracia excessivos, desabou
subitamente no leste europeu, os cubanos se viram quase que de
imediato sozinhos em um mundo hegemonizado pelo capitalismo. O
episódio pôs à prova a liderança de Fidel, que sem
ceder um milímetro nos seus ideais comunistas,
liderou Cuba nos
difíceis anos do "período especial", enfrentando
a volta da escassez crônica, dos racionamentos e até da fome na
ilha.
Mais, converteu Cuba em um verdadeiro farol
da esperança em um mundo dominado pela barbárie da fase neoliberal
do capitalismo. A
sempre
incansável crítica
de
Fidel
aos
desmandos e à
irracionalidade do livre mercado capitalista ganhou
naqueles anos difíceis
contornos
de
corajosa
resistência à imposição selvagem
do
"consenso de Washington":
"Se
queremos
salvar a humanidade da auto-destruição, é preciso distribuir
melhor os recursos e as tecnologias", disse.
Sua
implacável denúncia
às
ameaças que o crescimento da desigualdade e da
degradação do meio ambiente representavam ao mundo ganhou
uma concretude avassaladora durante
a Eco-92 no Rio de Janeiro, quando
ele anteviu os dois maiores problemas
do mundo de hoje com uma só frase: "Pague-se
a dívida ecológica, não a dívida externa".
Porém,
o exemplo de Fidel foi
muito além das
palavras. Contra
o cerco capitalista e
o recrudescimento do bloqueio econômico dos EUA,
Cuba apresentou uma arma poderosa: a solidariedade internacionalista.
Mesmo
com seu país passando por tempos duríssimos, onde quer que houvesse
um desastre natural ou epidemia, lá estavam as brigadas
de médicos cubanas
prestando
solidariedade aos povos.
Onde
a miséria e a insensibilidade de governos omissos não garantia a
mínima atenção médica a seus
povos,
lá estavam as missões cubanas para garantir conquistas
como a "operación
milagro", que
devolveu a visão a milhares de vítimas de problemas oculares em
toda a América Latina.
No
começo dos anos 2000 Cuba e sua Revolução encontraram novo fôlego
econômico e ideológico na Revolução Bolivariana de Hugo Chávez,
amigo pessoal de Fidel. Expressando o desejo popular de libertação
nacional e de justiça social na Venezuela, Chávez tornou seu país
o carro chefe de um processo de mudanças que levou ao poder diversos
governos mais ou menos progressistas, ou mesmo de orientação
socialista, em todo o continente. O isolamento de Cuba tornara-se
coisa do passado. Sufocados por tantos anos, os ventos da mudança
enfim começavam a soprar por toda a América, o que ficou
simbolizado pela decisão da Organização dos Estados Americanos
(OEA) de revogar a suspensão de Cuba, decretada em 1962. Cuba,
porém, já sob a presidência de Raul Castro, não aceitou retornar
à OEA. Novos organismos internacionais como a ALBA e a UNASUL já
tornavam inútil a velha organização criada pelos EUA para
controlar o continente, demonstrando claramente que o processo de
autodeterminação da América Latina já se tornara irreversível.
Até mesmo o bloqueio econômico imposto pelos EUA contra Cuba já
entra em processo acelerado de erosão pela força das condições de
um mundo novo, que não comporta mais a mesquinhez de velhos
hegemonismos. Passado o pior das tempestades de 1989-91, o socialismo
cubano se encontra em condições favoráveis para ditar os termos do
novo processo de integração internacional que se avizinha.
Mesmo
afastado do poder desde 2008, e
então com mais de 80 anos de idade, Fidel
ainda encontrou
forças para articular uma última grande contribuição ao mundo: a
mediação do processo de paz entre a guerrilha das FARC e governo
colombiano, que anunciaram o acordo de paz definitivo um
dia antes de sua desaparição física. Era como se o líder
histórico da Revolução Cubana tivesse aguardado o anúncio de mais
esta vitória das forças progressistas do mundo para enfim poder
descansar em paz.
Fidel
agora
não
está mais entre nós. Deixou como legado um país que, mesmo pobre e
ainda
submetido
a um bloqueio criminoso, é
capaz de
proporcionar
emprego,
moradia, alimentação,
segurança, cultura
e lazer, além de educação
e saúde de primeiro mundo, a
todos
os
seus
cidadãos
sem exceção.
Isto
fala muito a
respeito dos
amigos
e dos inimigos
de
Fidel. Explica
por
que
ele
foi
tão amado
por seu povo e
tão odiado
por alguns,
mas
sobretudo, explica
o
que pretendem seus caluniadores, por
que jamais conseguiram
derrotá-lo
e por que jamais derrotarão o
ideal socialista.
Pois
os
gigantes não morrem, apenas se tornam imortais. E a
História já o absolveu.
HASTA
SIEMPRE, COMANDANTE!