domingo, 28 de junho de 2009

GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS



A manhã de domingo (28 de junho) presenciou outro ataque violento contra a democracia em nossa América Latina. Militares encapuzados invadiram a residência do Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, levando-o preso no que se configuraria nas horas seguintes como um golpe de estado civil-militar na nação centro-americana. Após energia e comunicações terem sido cortadas na capital Teguicigalpa, tropas golpistas tomaram as ruas da cidade impondo-se pela intimidação e violência contra manifestantes contrários ao golpe (ver vídeo acima). Nesse ínterim, enquanto o presidente democraticamente eleito de Honduras era carregado à força para a Costa Rica, setores civis aliados do golpismo já faziam a sua parte: no mesmo dia o Congresso usou uma "carta de renúncia" presidencial grosseiramente falsificada como desculpa para empossar o presidente do parlamento, Roberto Micheletti como "novo presidente" do país, ao mesmo tempo em que setores mais fascistas da mídia já saíam em defesa ao golpe.

Ao fim do dia, enquanto manifestantes seguaim protestando nas ruas, o legítimo presidente hondurenho declarou do seu exílio que o golpe era obra de setores conservadores e convocou o povo hondurenho a resistir pacificamente ao golpe. Manifestantes pró-Zelaya já rodeavam a residência presidencial ocupada por militares quando veio a notícia que o próprio Supremo Tribunal hondurenho ordenou a descabida e violenta ação militar que removeu à força o Presidente Zelaya. É difícil de acreditar, mas não somente setores do Exército, como também o Congresso e o próprio Judiciário rasgaram violentamente a Constituição sob o pretexto de "salvar a democracia" no país. Explica-se: Zelaya, que mesmo eleito por um partido conservador tornou-se um dos principais aliados de Venezuela e Cuba na América Central, pretendia realizar um referendo pela substituição da velha e oligárquica Constituição hondurenha por uma nova, visando aumentar a participação popular. "Em nome da lei", a consulta à vontade popular foi proibida semanas atrás pela mesma corte que assinou hoje a realização do golpe.

No exterior, as condenações ao golpe já vem de todas as partes: enquanto ONU e OEA já convocavam reuniões de emergência para discutir a crise, Brasil, Argentina e a União Européia condenaram o golpe com veemência, enquanto o governo dos EUA, em uma mensagem dúbia, "pedia o retorno à ordem constitucional vigente". Resta saber a que "ordem constitucional" o "amigo do norte" se refere, se a autêntica, pisada e humilhada pelos golpistas, ou se à "nova", imposta à força por aqueles velhos poderes conservadores de sempre.

SEJA SOLIDÁRIO AO POVO HONDURENHO. Envie mensagens de repúdio a mais golpe fascista contra a democracia e a vontade popular na América Latina aos emails de agências governamentais do país. Se hoje eles tomam Honduras, amanhã eles vão querer o continente.

PRESIDENTE EMPOSSADO PELOS GOLPISTAS
robertomicheletti@congreso.gob.hn

CORTE SUPREMA DE JUSTICA
cedij@poderjudicial.gob.hn

TRIBUNAL ELEITORAL
postmaster@tse.hn

sábado, 27 de junho de 2009

Tropas brasileiras atirando contra multidão no Haiti

Vídeo da TV haitiana revela a brutalidade da repressão da "missão de paz" brasileira no Haiti: o episódio ocorreu dia 18 de junho, durante o funeral do padre Gerard Jean-Juste em frente à Catedral Nacional do Haiti. No vídeo soldados brasileiros, não contentes em levar preso manifestantes e intimidar a multidão com tiros para o alto, ao partirem ainda desferem claramente disparos contra a multidão desaramada. Resultado: um manifestante morto com um tiro certeiro na cabeça.

E aí, como a grande mídia e o governo do PT vão reagir a mais essa mostra da brutal repressão que os nossos soldados vem há tempos impondo sobre o povo haitiano com a bênção do "amigo do norte"? Vão recorrer à boa e velha censura, ou dessa vez vão querer mandar Corinthians e Flamengo jogar amistoso em Porto Príncipe?

sábado, 6 de junho de 2009

Decisão histórica: OEA revoga suspensão contra Cuba

Um dos últimos vergonhosos resquícios da Guerra Fria na América Latina acabou de ser derrubado em definitivo. Em uma decisão histórica tomada essa semana, a Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu por quase unanimidade pôr fim à expulsão imposta pela entidade contra Cuba há quase cinco décadas.

Durante sua Assembléia Geral realizada em Honduras, 34 dos 35 países membros do órgão, que reúne representantes de todas as nações das Américas, resistiu às pressões em contrário da delegação norte-americana e decidiu pela reintegração de Cuba à organização sem impor quaisquer condições à nação caribenha. O governo dos EUA, principal responsável pela expulsão cubana da entidade em 1962, insistia na realização de "reformas democráticas" em Cuba como pré-condição para que a única república socialista das Américas pudesse retornar à OEA. À época o governo norte-americano, em uma flagrante violação ao pluralismo democrático, impôs à entidade uma resolução que afirmava com todas as letras que “a adesão de qualquer membro da organização ao marxismo-leninismo é incompatível com o Sistema Interamericano”. Àquela altura Fidel Castro, líder da revolução cubana, já havia proclamado ao mundo o caráter socialista de sua revolução, que eclodira três anos antes.

Em um comunicado à imprensa estrangeira, o governo de Cuba saudou a decisão da entidade, afirmando que "apesar de pressões, condicionamentos e manobras dos Estados Unidos, a força formidável da América Latina que está nascendo possibilitou o gesto de reparação, a retificação histórica, a condenação implícita ao passado degradante". Mesmo assim, Cuba anunciou que não pretende retornar ao órgão, preferindo comemorar o ato como uma vitória simbólica e política.

E que vitória! Para se ter uma idéia do tamanho desta, basta ouvir o discurso que o anfitrião do encontro, o Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, pronunciou a favor de Cuba: ''Nós latino-americanos (...) firmamos (em Salvador) um compromisso de que esta assembléia (...) deveria emendar esse velho e desgastado erro que foi cometido em 1962, de expulsar o povo cubano desta organização." (...) "Não devemos deixar essa assembléia sem anular o decreto que sancionou um povo inteiro por ter proclamado idéias e princípios socialistas, que hoje esses mesmos princípios são praticados em todas as partes do mundo, incluindo Estados Unidos e Europa (aplausos)" (...) ''Não fazê-lo nos faz cúmplices de uma resolução que expulsou um membro da OEA simplesmente porque tem outras idéias, outros pensamentos, e proclama o início de uma democracia diferente. E não seremos cúmplices disto''. Tudo isso vindo do chefe de Estado de um país que há menos de uma geração atrás era dominado por uma das ditaduras mais retrógradas e reacionárias do mundo! Palavras que entram para a História.

Em Cuba, diferente do restante do continente, a notícia recebeu ampla cobertura da imprensa, ao que se somou uma carta de Fidel Castro justificando sua posição pessoal contra a organização que já foi chamada por muitos de "ministério estadunidense das colônias": "A OEA foi cúmplice em todos os crimes cometidos contra Cuba. (...) Em um momento ou outro, todos os países latino-americanos foram vítimas de agressões e intervenções políticas e econômicas. Ninguém pode negar isso. É ingênuo acreditar que as boas intenções de um presidente dos Estados Unidos justifiquem a existência desta instituição que abriu as portas para um cavalo de Tróia que apoiou as Cúpulas das Américas, o neoliberalismo, o narcotráfico, as bases militares e as crises econômicas", disse o ex-presidente cubano.

O discurso de Fidel de questionar até mesmo a existência da OEA não foi o único que se ouviu nos últimos dias. Em sua chegada à Honduras, o Presidente equatoriano Rafael Correa declarou junto com o colega hondurenho que a ''OEA deve ser reformada e reincorporar Cuba, ou do contrário terá que desaparecer''. Correa havia proposto anteriormente a substituição da entidade por uma Organização dos Estados Latino-Americanos, justificando que "não era mais possível continuar discutindo em Washington os problemas da região". De fato, declarações dos demais líderes latino-americanos davam conta do impasse alcançado por um órgão criado no auge da Guerra Fria exclusivamente para impor a dominação estadunidense sobre os povos latino-americanos. ''A América Latina está fazendo de Cuba o teste de fogo da sinceridade da (nova) abordagem da administração Obama para a região", disse a especialista em Cuba do Conselho de Relações Exteriores norte-americano, Julia Sweig na véspera da reunião em Honduras. Ou seja, longe de querer ser benévolo, o governo dos EUA cedeu impotente àquela que talvez tenha sido a maior derrota da história na sua política exterior para a América Latina precisamente a fim de evitar uma derrota ainda mais esmagadora - a dissolução definitiva do seu próprio "ministério das colônias".

Derrota do Império, vitória das forças progressistas do continente. Em primeiro lugar, o ato histórico demonstra o respaldo e a legitimidade que a revolução cubana acumulou perante toda uma geração de latino-americanos como o farol da liberdade na luta contra as ditaduras civil-militares que assolaram nosso continente no passado, de tal forma que os cubanos podem agora colher os frutos de sua longa e incontida solidariedade internacionalista. E em segundo simboliza o rompimento das amarras da dependência da América Latina para com o gigante do norte, que tem feito dos países do continente simples marionetes de sua política exterior desde suas independências há quase dois séculos. É sintomático que em todo o continente nomes sinistros como Somoza, Stroessner, Trujilo ou Pinochet tenham dado lugar a próceres como Chávez, Correa, Lugo, Funes, Daniel Ortega e Evo Morales. Sinal de um tempo que marca a vitoriosa chegada ao poder de forças populares e progressistas por toda a América Latina, que há mais de uma década já vêm levando a cabo suas respectivas revoluções nacionais emancipadoras.

De fato, mesmo que aos poucos, a emancipação da América Latina já não pode mais ser impedida pelo cada vez mais enfraquecido Império do norte, pois assim como o socialismo, ela é uma força histórica que por mais que se busque reprimir, nunca se conseguirá conter. E nesse contexto latino-americano cada vez mais rebelde, a revolução cubana no alto dos seus cinqüenta anos de idade novamente desponta como símbolo maior dos avanços no continente, já que, da mesma forma que a OEA, com suas políticas anti-Cuba isolacionistas e desestabilizantes se encontra agora relegada ao lixo da história, também o vergonhoso embargo econômico imposto pelos EUA a Cuba, último marco da dominação gringa na nossa América Latina, se encontra cada vez mais próximo de cair sob o peso insustentável de seu próprio arcaísmo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Capitalismo x Socialismo – o grande jogo do século XX

Quando aquele comentarista alemão barbudo anunciou que a disputa do título da mais avançada sociedade existente ia ser decidido entre o Capitalismo e um tal de “Socialismo”, ninguém deu crédito a ele. Como o poderoso time de Smith, Ricardo, Bismark e a Rainha Vitória poderia ser desafiado na decisão por um timinho de um pequeno punhado de teóricos “do-mundo-da-lua” e de agitadores “malucos”? É claro que não, dizia a imprensa esportiva, negando até mesmo que pudesse existir tal jogo. Mesmo que o barbudo alemão insistisse nas inúmeras fragilidades do time do Capital, que iam desde a zaga social cheia de buracos até o instável ataque da economia, ninguém dava atenção a tal confronto. O escrete do Capital, diziam os locutores burgueses, havia na prática ganho antecipadamente o campeonato muito antes quando o time, então comandado pelo técnico Napoleão Bonaparte, eliminara a equipe do Feudalismo com uma estrondosa goleada. Depois dessa, diziam eles, não haviam mais quaisquer adversários à altura das “leis econômicas naturais” e da “missão civilizatória” do Capitalismo. Por isso, insistia a imprensa esportiva, em verdade não havia sequer jogo a acontecer.


Porém, sem que praticamente ninguém percebesse, a História se encarregou de colocar frente a frente o poderoso Capitalismo contra a novel agremiação dos “malucos de vermelho”. E logo aos 17 minutos, em jogada individual de craque, o centroavante Vladi “Bolchevique” Lenin apareceu na pequena área para se aproveitar de uma domingada do zagueiro capitalista (um tal de Guerra Imperialista) e tocar pro fundo das redes. Socialismo 1 x 0. O estrondoso tento chamou a atenção de toda a redondeza, e agora que as arquibancadas do estádio já iam se enchendo, a imprensa esportiva não podia mais negar que havia sim um título em disputa, e que seu time preferido tinha do outro lado a ser batido um adversário digno de uma grande final. Porém o time do Capital, que jogava todo de branco, sentiu o gol sofrido e errava passes bobos. Aproveitando-se da confusão adversária, o Socialismo rondava a área adversária com os meias Bella “Revolução Húngara” Kun, Rosa “Spartakus” Luxemburgo e o sempre perigoso atacante Movimento Operário, levando o time do Capital a começar a apelar pra violência. As botinadas dos beques capitalistas tiraram Rosa e Kun do jogo, obrigando o técnico vermelho a substituí-los pelos imprevisíveis e pouco entrosados Leon “Peruca” Trotsky e Zé “Kulak” Stalin. Mas mesmo assim, logo a seguir a zaga do Capital voltou a falhar, e após um lance grotesco do goleiro Crise Econômica (justo ele que, diziam, nunca mais ia voltar a falhar), o Socialismo ampliou o marcador aos 29 minutos. Com dois a zero no placar o desespero tomou conta do time de branco, e o técnico do Capital (o enigmático “Sr. Sistema”) resolveu apelar pro banco de reservas. Saem o Liberalismo e a Democracia, entram os agressivos centroavantes Adolf “Te Mato” Hitler e Benito “Boçal” Mussolini. Empurrados pelos gritos da torcida dos governos francês, inglês e ianque, a nova dupla de ataque dos brancos passou por cima do Movimento Operário e começou a pressionar o miolo de zaga soviético. Porém, num contra-ataque fulminante nos minutos finais do primeiro tempo, o centroavante Exército Vermelho marcou mais um para os vermelhos. Para o espanto de muitos, após os primeiros 45 minutos de jogo o placar era Socialismo 3 x 0. Tamanho era o estrago sofrido pelo escrete do Capital que o Socialismo, que começou sem ninguém a lhe apoiar nas arquibancadas, agora tinha a China inteira e metade da Europa torcendo a seu favor.


Acuado pelo impressionante placar construído pelo adversário, o técnico do Capital decidiu no intervalo fazer mudanças radicais. Ele sacou do time sua alucinada dupla de ataque nazi-fascista e até mesmo o capitão Exploração Selvagem (pelo menos por alguns minutos, pensava ele com seus botões de ouro), substituindo-os por suas jovens promessas: John “estimular-a-demanda” Keynes, Social-“nem-tanto”-Democracia e Consumismo S.A., todos aguardando ansiosos pela oportunidade de estrear e ajudar seu time a buscar a virada. O técnico também orientou os gandulas Grande Mídia e Serviço Secreto a censurar, sabotar e dar golpes sempre que a bola sobrasse pros de vermelho (quem disse que o jogo era em campo neutro??). No entanto, a favor do Capital havia o alento de que o time adversário, embora bem à frente no placar, estava tão ou mais estropiado do que quando começara a partida. Tudo graças à violência do antijogo branco, que primeiro com as botinadas da Repressão Policial e da Perseguição Política, depois com a Devastação da Guerra em campos adversários, ocorrida nos últimos minutos da etapa inicial, conseguira exaurir e encher de contusões o escrete rubro (e isso que a imprensa esportiva dizia que a equipe do Socialismo é que era a violenta!). E se a Guerra e tudo o mais os havia deixado bem atrás no placar, ao menos o Capital lucrara enormemente com os encarniçados embates dos minutos finais do primeiro tempo, prometendo assim voltar bem mais preparado do pós-guerra do intervalo. Os de vermelho, por outro lado, que já começaram o jogo pobres e combalidos, pagaram o preço de um desgaste físico e material impressionante para construírem sua vantagem no placar. Mesmo levando isso em conta, o técnico do Capital decidiu fazer mais alterações. Mandou renomear seu time de Capitalismo para Mundo Livre Democrático, e orientou os locutores da imprensa esportiva a chamarem o adversário de Império do Mal Comunista, ou simplesmente Comunista (por que será que essa palavrinha soa tão pesada??). E pra ver se dava sorte, também aproveitou pra mudar o uniforme do seu time. Tendo descido aos vestiários de calção e camisa brancos, agora os onze Heróis da Liberdade voltavam ao gramado de calção azul estrelado e camisa com listras vermelha e branca. Já os comunistas voltaram pra etapa final com as mesmas cores e a mesma formação, com a exceção do meia Trotsky e do volante Zezé “Partisan” Tito, expurgados do time pelo capitão Tio Zé “Coveiro” Stálin (que mudou de apelido depois de concluir que “Kulak” não parecia malvado o suficiente).


Logo nos minutos iniciais da etapa complementar a mudança de estratégia do técnico “Sr. Sistema” (que mudou seu próprio apelido para “Tio Sam”) começou a equilibrar o jogo. O carisma e o apelo irresistível dos laterais Consumismo e Hollywood começavam aos poucos a ganhar a torcida, enquanto os gandulas iam cumprindo com primor seu serviço de fraudes eleitorais e golpes, primeiro na Itália, depois na Grécia, na Coréia, na Indochina, e mais tarde na África e no delicado campo de defesa do Capital (mais conhecido como América Latina). Mesmo assim o placar seguia inalterado, quando aos 14 do segundo tempo (ou como os gringos contam, aos 59 minutos de jogo), em veloz triangulação de Fidel, Che e Raúl, a zaga capitalista foi pega de surpresa novamente e a bola foi morrer no fundo das redes. Socialismo 4 x 0! Agonia do Capital, festa da cada vez mais numerosa torcida vermelha. Doidos de paranóia, os beques burgueses (que já vinham distribuindo botinadas na Argélia, no Congo e no Vietnã), decidiram reforçar a defesa com mais repressão (ou nas palavras do locutor, “segurança democrática”) no Oriente Médio, na África do apartheid do Sul, nas colônias portuguesas e, claro, na América Latina. Enquanto isso, escondidos debaixo das arquibancadas, os cartolas já planejavam uma “virada de mesa” (ou como dizem por aí, Guerra Nuclear!).


No lado socialista porém, apesar da vantagem no placar e da vitória quase certa (precisamente como previra aquele outrora desacreditado comentarista alemão barbudo), os jogadores batiam cabeça e não chegavam a um consenso sobre o que fazer dali em diante. Che Guevara e Mao Tse-Tung queriam seguir o exemplo de Ho Chi Mihn e partir pra cima dos capitalistas, mas Kruschev e Breznev falavam em “coexistência pacífica” (afinal, diziam eles, em time que está ganhando não se mexe), ao mesmo tempo em que davam de relho nos volantes Tcheco, Húngaro e Polaco, que insistiam em desafiar a férrea disciplina tática do Monolitismo Soviético. Já o técnico comunista, vencendo por acachapantes quatro a zero aos vinte e pouco do segundo tempo (ou sessenta e tanto para os gringos), com todos os craques no seu time e com as arquibancadas cada vez mais do lado vermelho, julgou que o jogo já estava decidido e resolveu descer pros vestiários pra tirar uma soneca.


Porém o treinador acabou dormindo no ponto e quando acordou o tempo de jogo já estava nos 89 minutos. Subindo às pressas para o gramado, ele ficou estarrecido ao descobrir que o Capital havia virado o jogo para 7 x 4! Para o horror do treinador rubro, tudo havia mudado em campo. Seus craques haviam desaparecido, substituídos por velhos lentos e pançudos que mal tocavam na bola de tão preguiçosos. Revoltada com o futebol burocrático agora jogado pelos de vermelho, a totalidade do público nas arquibancadas passara a torcer para o time do Capitalismo. O comunista não podia acreditar no que via! Enquanto dormia no ponto, seu time começara a se esfacelar em campo nos últimos minutos e passara a sofrer gols sem parar do seu arquiinimigo, tudo sem que ele sequer percebesse! Voando em campo, o time do Capital virara o jogo com gols da Tecnologia, do Ecologismo, da Contracultura, do Liberalismo e do Mercado Regulado (que entrara no lugar do Livre Mercado para, com passadas dinâmicas e ágeis, dar um drible desconcertante na lenta Economia Planificada e marcar um golaço), além de mais um tento do Consumismo e um incrível gol contra do Movimento Sindical e Operário. Até as Bandeiras da Democracia e da Liberdade, que por tanto tempo estiveram do lado do Socialismo, agora dançavam alegremente atrás do gol do escrete do Capital, comemorando a vitória iminente daquele time que até pouco tempo atrás elas tão fervorosamente torciam contra. Sem poder fazer mais substituições, o atônito técnico comunista decidiu mandar avançar no ataque a Igualdade, a única que ainda jogava alguma coisa pelos vermelhos. Mas já era tarde demais para buscar o empate e aos 46 do segundo tempo (ou melhor, aos 91 de jogo) o juiz encerrou a partida. Vitória de goleada do Capitalismo! Festa no gramado, nas arquibancadas e por toda a parte pela título do escrete do Capital. Do outro lado, ninguém parecia sequer lamentar a derrota Socialista. Até mesmo o treinador comunista pendurou o boné e decidiu se aposentar, de forma que o time socialista, que até pouco tempo desafiara o Capitalismo de igual pra igual, desaparecera por completo tão logo o juiz encerrara a partida. Extasiados com a surpreendente e esmagadora virada de seu time, a imprensa esportiva enchia a boca pra falar que “sempre soube” do resultado final, que agora sim não havia mais jogo, a História havia acabado e o Capital era campeão inconteste. Aquele comentarista esportivo, o tal do alemão barbudo, estava errado afinal de contas, diziam os especialistas no esporte. O Capitalismo era mesmo o melhor!


Porém, à medida que o tempo ia passando, as arquibancadas se esvaziavam e a poeira da retumbante festa da vitória se assentava, as pessoas foram percebendo que, embora vencera de goleada, o Capitalismo não era aquele timaço que todos imaginavam. Novos concorrentes em potencial, como a Miséria, a Criminalidade, a Desigualdade, a Xenofobia, o Terrorismo e as Crises Ambiental e Econômica pareciam querer desafiar o Capital pra uma nova partida, num jogo de selvagerias que, sob o risco de não ter a quem torcer, todos desejavam que jamais ocorresse. Em meio a esse clima de indefinição quanto ao futuro do esporte, um punhado de “malucos” decidiu se juntar para tentar refundar o time do Socialismo. Eles sabem que são poucos, que seu amadorismo de time de várzea não chega aos pés nem do poderoso e profissional time do Capital nem dos agora principais rivais deste, o Caos e a Barbárie. Sabem também que o time anterior do socialismo já está extinto de vez e que, como qualquer um que morre, continuará morto para sempre. Mas mesmo assim eles ousam fundar um novo time de vermelho, renovado no seu futebol e na confiança daquele velho comentarista alemão barbudo de que o time do Capitalismo estava longe de ser invencível. Convencidos de que o campeonato não acabou, eles sabem que o Socialismo tem o direito de disputar o jogo de volta, e vão lutar com afinco por isso, correndo por fora pra superar os favoritos e, quem sabe assim, beliscar a taça. Aprender com as falhas do primeiro jogo é o primeiro passo para voltar a exibir um futebol vistoso e reconquistar o apoio da torcida, diz o novo técnico Movimento Anti-Globalização. Perdido em meio a esse mundo de crises, continua ele, o público está ansioso por encontrar outro time digno de sua torcida, e cedo ou tarde eles vão encontrar a quem torcer. Será que o alemão barbudo estava errado mesmo?