De uma notícia aparentemente comum em toda a revolta e indignação que ela traz, é possível aprender importantes lições sobre o sistema capitalista como um todo.
Por Eduardo Grandi autogoverno@gmail.com
Por Eduardo Grandi autogoverno@gmail.com
Durante a semana passada, vinda do Congresso em Brasília, tornou-se conhecida outra daquelas tantas notícias que quase que diariamente nos deixam indignados. Seria apenas outro caso do tipo que nos faz perder a fé em nossas instituições e em nossos políticos, apenas algo a mais em meio a toda podridão que emana do Planalto Central. Seria, não fosse tal notícia um exemplo bastante didático do que é o sistema capitalista como um todo.
Saiu na Folha de S. Paulo, no dia 21 de março: ”Os integrantes das comissões de Agricultura da Câmara e do Senado, que analisam mudanças nos limites de desmatamento no país, detêm, juntos, o equivalente a pelo menos 40% do território da cidade de São Paulo em terras: 604 km².” (...) “O rebanho do grupo reúne 37 mil cabeças.” (...) “No Senado, oito dos 17 titulares se declaram donos de terras. Na Câmara, a proporção cresce: 21 dos 36 deputados titulares da comissão se apresentam como produtores rurais e apenas cinco como agricultores.” Continuando, a reportagem aponta para o fato de que a principal meta da Comissão de Agricultura este ano é definir mudanças no Código Florestal, que em 2001 havia reduzido o limite tolerável de desmatamento dentro das propriedades nas áreas da chamada Amazônia Legal. Segundo a lei, até o fim desse ano, devem começar a serem punidos os proprietários rurais que desobedeceram ao Código. ”Daí a pressa”, como reconhece a própria Folha, ”em mudar as regras do jogo.” Em resumo, conforme denuncia a reportagem, os próprios donos de terras estão para decidir sobre quanto vão poder desmatar em suas propriedades particulares! A situação se torna ainda mais desalentadora quando se analisa que a bancada dos ruralistas no Congresso é a maior de todas, possuindo mais representantes do que PT e PMDB juntos (embora é claro, tenha também deputados desses partidos). Como reflexo desse enorme poder, os ruralistas controlam entre 80% e 85% das vagas nas comissões de Agricultura, e até mesmo metade das vagas nas comissões de Meio Ambiente!
Isso é capitalismo. E essa é a "democracia" dos capitalistas: ilegítima e contraditória. É ilegítima porque só mesmo aos olhos dos capitalistas pode haver alguma legitimidade em os donos da grande propriedade legislarem em benefício de suas próprias posses. Longe de ser um caso isolado, o exemplo acima é regra corrente nos parlamentos de qualquer ”democracia capitalista”, não só no Brasil como também nos EUA, na Europa ou no Japão. Além das bancadas “formais” dos partidos políticos, sempre há as bancadas “informais” dos maiores grupos econômicos presentes em cada sociedade, que impõem aos governantes a sua vontade na medida do tamanho de seu poder econômico. Foi assim que, para ficar apenas em mais outro exemplo, os setores das indústrias de armas e do petróleo lograram conduzir os EUA e a Inglaterra a invadir e ocupar o Iraque em 2003. O caso brasileiro apenas virou notícia porque ali, diferente do de costume, os próprios deputados são os proprietários, o que tornou a situação gritante demais para passar despercebida. Em geral, o poder dos capitalistas se faz representar no Congresso indiretamente, com as empresas usando seu poder e influência para eleger seus representantes, o que também se inclui nesse caso: a própria Folha identificou entre os doadores de campanha das bancadas, contribuições em maior número dos frigoríficos Friboi, Sadia e Marfrig, e das produtoras de insumos Ultrafértil, Nortox e Bunge.
O que tais exemplos, seja de ruralistas brasileiros, seja das guerras do Oriente Médio claramente mostram é que, no mundo capitalista, o verdadeiro poder por trás de reis, presidentes e parlamentos é justamente a grande propriedade dos bens de produção (bancos, fábricas, terras, etc.). Nenhum governo é o poder em si; sua capacidade de governar a sociedade sempre emana do poder material existente nesta mesma sociedade. No caso do capitalismo, um poder extremamente concentrado nas mãos dos poucos donos da grande propriedade. Assim, no mundo capitalista, vivemos todos sob o poder de uma classe, a classe capitalista. É por isso mesmo que, enquanto houver essa propriedade (ou seja, enquanto houver capitalismo), será impossível haver uma verdadeira democracia.
Já a contradição dessa história toda, que também ajuda a entender o capitalismo, fica por conta da mídia "oficial" deste sistema. É curioso notar que quem fez essa denúncia contra os ruralistas (a Folha de São Paulo) é o mesmo jornal que, há pouco tempo atrás, cunhou a irresponsável expressão “ditabranda” em referência à Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), ao mesmo tempo em que acusava Bolívia e Venezuela de serem, essas sim aos olhos do jornal, autênticas "ditaduras". Sobre isso, há de se lembrar do que alguém certa vez disse, de que “todo sistema fundamentalmente injusto sempre oscila entre dois pólos contrários: o de ter que parecer justo e legítimo e o de ser de fato injusto e ilegítimo”. Esse é o lado contraditório, também comum ao capitalismo: criticam-se seus problemas, mas não se resolvem-nos. Pois ao mesmo tempo em que a mídia capitalista (ao denunciar o uso do Estado pelos ruralistas em benefício próprio) expõe as falhas do seu sistema, ela por outro lado fecha contraditoriamente qualquer possibilidade de correção de tais falhas, ao atacar fanaticamente os únicos governos que, mesmo timidamente, têm aplicado o único remédio possível contra essa ditadura do capital: a socialização da grande propriedade, como agora recentemente o “ditador” Chávez – por sinal três vezes eleito democraticamente pelo povo venezuelano – anunciou estar concluindo o processo de estatização da filial venezuelana do banco Santander. Uma vez concluído o processo, isso vai significar menos poder nas mãos de indivíduos e mais poder nas mãos da sociedade, através de seus representantes eleitos. Isso se traduz em mais democracia e, portanto, menos capitalismo. É de se entender porque tanto a Folha quanto esse mesmo Congresso dos latifundiários (vide a recusa até aqui do nosso parlamento em aceitar a entrada da Venezuela no Mercosul), odeiam tão visceralmente os governos progressistas da América Latina.
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