sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O capitalismo e a crise, parte 2: o dólar, a dívida e as crises vindouras.

Diferente do que a primeira parte desta série de dois artigos podia levar a crer, a pergunta crucial dos dias atuais não é se "a crise acabou ou não", mas sim "quando e como virá a próxima crise". Sem a pretensão de querer fixar datas para os futuros desastres econômicos globais, a segunda e última parte dessa série de artigos visa antes de tudo, e tal como a parte anterior, contribuir para a formação teórica dos militantes anticapitalistas preocupados na vital questão de compreender para transformar. Dessa forma, através do estudo da crise do Império norte-americano e do crescente endividamento global, o presente artigo vai além da análise superficial e setorizada do sistema financeiro apresentada no artigo anterior, destrinchando na base da "economia real" os mecanismos propulsores das futuras crises do sistema capitalista internacional. O capitalismo, tal como ficará claro ao longo dessas linhas, é um sistema que adoece e envelhece em ritmo acelerado, exigindo das forças anticapitalistas do mundo todo um aguçamento do seu conhecimento técnico acerca do sistema, dando-lhe a capacitação necessária para uma precisa e eficaz ação política transformadora e permitindo assim que a Humanidade sobreviva a um possível (e não tão distante) colapso do capitalismo.


A realocação da produção global

Iniciado com o tímido processo de industrialização de certos países periféricos no pós 1945, o processo de realocação da capacidade industrial mundial ganhou vigor a partir da década de 80, com a conversão dos EUA em grande importador de produtos industrializados. Quem melhor se aproveitou disso foram as nações do oriente (Japão, Coréia do Sul e “tigres asiáticos” nos anos 80, China dos anos 90 em diante), que entraram em uma fase de crescimento econômico acelerado basicamente exportando para os EUA. Tal comportamento da economia norte-americana demonstraria ser uma forte tendência dos países centrais quando, em busca de mão-de-obra mais barata e de repositório para seus capitais excedentes, a Europa ocidental e o Japão seguiram o movimento estadunidense, deslocando seus parques fabris (em especial naqueles setores intensivos em mão de obra) para as regiões periféricas do mundo capitalista: Leste Europeu, Índia, América Latina e, principalmente, China e Sudeste Asiático, foram com isso se convertendo nas grandes manufaturas produtoras primárias da riqueza global, arcando com todas as conseqüências em termos de poluição e hiperexploração humana que os ideólogos do capital diziam ter sido superadas pelo “capitalismo desenvolvido” (que na verdade, apenas exportou seus problemas para a periferia). Simultaneamente, enquanto os países periféricos iam se tornando lixões, armazéns de mão de obra barata e receptores dos capitais excedentes dos países centrais, muitas dessas nações do dito “primeiro mundo” (tais como EUA, Grã-Bretanha, França, Espanha e, mais recentemente, até mesmo o Japão!) passaram a ser consumidores da riqueza produzida no dito “terceiro mundo”. A situação de tais nações se sustenta até hoje em parte pela força dos seus sistemas financeiros por um lado, e por outro pela situação de credores das enormes dívidas externas de muitos desses “exportadores periféricos”. No caso específico do Brasil, um país essencialmente exportador, os sucessivos saldos comerciais positivos foram suplantados ao longo dos últimos 20 anos por também sucessivos saldos negativos na balança de pagamentos (aí incluso o chamado “serviço da dívida”). Assim, em anos recentes o Brasil vinha na prática entregando sua riqueza aos países centrais de graça, recebendo em troca mais dívidas!

Em suma, o mundo tem presenciado nas últimas décadas um crescente deslocamento da capacidade produtiva global em direção aos países periféricos, com o crescimento do peso econômico “produtivo” de nações pobres (China, Brasil, Índia, etc.) simultâneo a uma tendência contrária em quase todos os países centrais. Estes países, embora ainda detenham dentro de suas fronteiras muitos dos setores mais avançados da indústria mundial (e além delas, ainda sejam proprietários de grande parte das indústrias das nações periféricos), vêm passando por um processo de crescimento relativo da importância dos seus sistemas financeiros com relação aos setores produtivos de suas economias. Tal quadro chega ao extremo justamente no pais que é o núcleo do sistema capitalista internacional.


Estados Unidos, o grande parasita do mundo.

Pra entender como o Império estadunidense alcançou a condição de o grande parasita do mundo, é preciso ter consciência de que um dos pilares da atual ordem capitalista mundial consiste na aceitação global do dólar como moeda internacional, algo que por vários motivos nasceu depois da Segunda Guerra Mundial e se mantém até hoje. A moeda mundial não é do mundo, mas sim de um único país, os EUA, o que proporciona ao gigante do norte uma vantagem decisiva para a manutenção do seu status de senhor do planeta. Tal como as hordas para os khans mongóis, as legiões para os césares de Roma ou as indústrias para o Império Britânico, a grande arma com a qual os EUA hoje conquistam e saqueiam o mundo é o dólar.

De fato, a imposição da moeda norte-americana como a moeda do mundo, sendo um princípio econômico genuinamente imperialista, tem proporcionado nas últimas décadas a bóia na qual o Império se agarra para salvar do afogamento a sua cada vez mais deteriorada dominação mundial. Uma economia exportadora até o final dos anos 60, os EUA logo passaram a acumular sucessivos déficits (saldo negativo) em sua balança comercial de produtos, que girava na casa dos 100 bilhões de dólares em 1990, mas que em 2008 alcançou a assombrosa cifra de 820 bilhões de dólares! Isso equivale a quase um terço da parcela produtiva (indústria e agricultura) do PIB estadunidense, de forma que uma imensa parcela do consumo interno norte-americano vem de fora do país!

A nós, isso não seria um problema, desde que todo esse super consumo imperial suprido pelos súditos do mundo inteiro fosse pago pelos EUA, da mesma forma que faz qualquer outro país que importa mais do que exporta. Acontece que eles não pagam.

Por mais escandaloso que isso possa parecer, o fato é que o Império pode se dar ao luxo de ter saldo negativo de centenas de bilhões de dólares na sua balança comercial todos os anos sem mais problemas, simplesmente porque o país é o dono da moeda do mundo! Conforme o presidente do BC estadunidense, Bem Bernanke, explicou com toda o deboche e arrogância imperial que faz jus ao seu cargo, para tapar os rombos anuais em suas contas, “os EUA dispõem de uma tecnologia chamada impressora, que lhe permite produzir tantos dólares quanto precisar e sem custo”. É isso. Para pagar seus monstruosos déficits na balança comercial e na conta corrente, para pagar os déficits de centenas de bilhões de dólares no orçamento de seu governo, basta aos EUA emitir mais dólares! Assim, países exportadores (e pobres) como Brasil, China e Índia mandam o suor do trabalho de seus povos literalmente de graça pro “grande parasita” do norte!

Mais do que permitir calotes comerciais, tal vantagem nada honesta, a de ser dono da moeda do mundo, permite também que o Império se saia de crises como a atual imprimindo mais dólares. Permite também que o país faça a rolagem de sua cada vez mais colossal dívida imprimindo mais moeda – algo que em outro país só faria gerar inflação. Porém, isso tudo não tem um limite? Até quando o mundo vai aceitar ser entupido por mais e mais dólares? A busca por tal resposta acabará por lançar mais luz sobre a realidade do moderno capitalismo global e de suas crises.


A lenta agonia do salva-vidas do Império.

Talvez a maior prova do quanto que o próprio regime norte-americano percebe ser o dólar o “último pilar” de sua dominação global foi dada no começo desse século, quando o ditador iraquiano Saddam Hussein propôs que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) substituísse o dólar pelo euro como moeda de transações da organização. Se tal medida fosse levada a cabo, isso significaria um duríssimo golpe nas pretensões hegemônicas do dólar, dado o peso do petróleo na economia global e a extrema dependência do Império às importações desse recurso energético. A reação imperial a essa ameaça ao seu domínio foi enérgica. Em 2003, usando a desculpa das jamais encontradas armas de destruição em massa, os EUA invadiram o Iraque, e a seguir, Saddam foi mandado para a forca por sua ousadia...

No entanto, nem mesmo a brutal violência da maior potência militar da Terra poderão conter a longo prazo o definhamento do dólar. Por conta dos sucessivos déficits comerciais e orçamentários dos EUA (e da política de tentar cobri-los emitindo mais moeda), o dólar tem se desvalorizado contínua e inexoravelmente ao longo das últimas décadas, situação que se agrava sempre que o Império se aventura em novas guerras de saque e conquista (foi assim no Vietnã nos anos 70, e o é atualmente no Iraque e no Afeganistão) e sempre que novas crises se abatem (só na atual crise, o governo estadunidense desembolsou 1,4 trilhão de dólares de “ajuda” para a economia!). Quanto mais se debate, mais fraco o Império fica.

Mas o que isso tudo tem a ver com as crises do capitalismo?

A tendência dominante e inevitável para o futuro do capitalismo é de que o dólar perca cada vez mais espaço no comércio internacional para outras moedas, podendo num futuro próximo perder o posto de moeda mundial para o euro, conforme admitiu o próprio ex-presidente do Banco Central norte-americano, Alan Greenspan. Embora a China se recuse a usar o poder demolidor de suas reservas de 2 trilhões de dólares para liquidar o valor do dólar (e por tabela, o próprio Império estadunidense), autoridades de Pequim têm cada vez mais sinalizado que no futuro próximo pretendem substituir parcelas crescentes de suas reservas em dólar por reservas em outras moedas mais fortes do que a norte-americana, como o euro. Indo mais além, economistas como o Prêmio Nobel Paul Samuelson acreditam ser inevitável que, no futuro, uma rejeição massiva do dólar arraste o mundo para... Uma grande crise econômica!

Fica claro agora porque o salva-vidas do Império poderá ser também o seu carrasco!

Até agora, o Apocalipse tem sido evitado porque o mundo não pretende abrir mão do dólar como moeda de transações internacional, não porque eles têm ganho com o dólar, mas sim pelo que eles têm a perder sem a moeda estadunidense: pois dada a estreiteza das relações comerciais inter-nações no capitalismo globalizado, é inevitável que, quando o Império cair, ele leve o mundo junto. Assim, pelo menos enquanto não puderem controlar as conseqüências, nem a China vai querer usar suas reservas de dólares para destruir os EUA, nem a Europa vai tentar fazer do seu euro a nova moeda do planeta, e assim todos ficam felizes com a condição de “parceiros” dos Império! Mas e se ninguém, nem Pequim nem Washington, conseguir mais segurar o colapso do dólar? Este é o momento de analisar outra importante fragilidade do capitalismo moderno.


O mundo e o Império afogados em dívidas.

O drama da dívida do Brasil, com seus juros impagáveis e acordos do Diabo com o FMI, tão conhecidos por nós brasileiros, está longe de representar exceção em um mundo cada vez mais endividado. O total de dívidas das nações do mundo gira hoje em torno de 45 a 60 trilhões de dólares! Países como Itália, Canadá e Japão já têm dívidas totais superiores ao tamanho de seus PIB’s (chegando no caso dos nipônicos a quase o dobro do PIB). E há países europeus como Grã-Bretanha, França, Espanha e Grécia cujo endividamento já alcança níveis calamitosos – no caso grego, só não se declarou moratória até agora porque senão se arrisca carregar a União Européia junto ralo abaixo.

No entanto, quando se fala do Império estadunidense, o problema da dívida adquire proporções assombrosas.

Em termos absolutos, os Estados Unidos são de longe o país mais endividado do mundo. O total que o governo federal estadunidense deve a outros governos e empresas nacionais e estrangeiras fica em torno de 12 trilhões de dólares (cerca de 90% do PIB do país)! E há inclusive estudos independentes que apontam para uma dívida ainda maior, cerca de 56 trilhões de dólares, o que colocaria a dívida total dos EUA igual ao endividamento total do restante do mundo! O irônico é que os períodos de maior crescimento da dívida pública estadunidense ocorreram justamente sob os governos de dois próceres do “estado mínimo” neoliberal, Ronald Reagan (1980-1988) e Bush Jr. (2000-2008)... Isso não é coincidência, a essência do Estado neoliberal (ser “mínimo” para o povo e “máximo” para os capitalistas) explica como o governo do Império alcançou tão assombroso endividamento. A forma como o governo estadunidense “socorreu” o sistema financeiro durante o auge da crise atual ilustra bem isso. Com a crise, enquanto ao povo sobrou desemprego e miséria, aos capitalistas “grandes demais pra falirem” os ganhos foram enormes! Grande parte da ajuda do governo dos EUA à Wall Street foi feita da seguinte forma: o governo emprestava a juros quase zero para os bancos “em dificuldade”, que depois usavam tal “ajuda” para comprar títulos de dívida emitidos pelo governo para bancar a recuperação do restante da economia. Esses títulos são o melhor “fundo de investimento” que existe, porque pagam bons juros e são bancados pelo devedor mais confiável que existe, o Estado – que assim na prática se endividou duplamente, não só pela emissão desses títulos mas também porque, com essa “troca”, assumiu as dívidas dos bancos e das imobiliárias. Longe de ser um “empréstimo”, que nem cansou-se de divulgar na mídia na época, o Estado na verdade deu dinheiro de graça aos grandes capitalistas, recebendo “como pagamento” as dívidas destes... Dívidas estas por sinal criadas por incompetência e irresponsabilidade desses mesmos capitalistas, que aprontaram e no final ainda saíram ganhando. Agora faz sentido! Alguém tinha mesmo de estar ganhando com esse negócio de endividamento meteóricos...

Porém, nos EUA a situação do endividamento é ainda mais porque não só o Estado, mas principalmente o povo, está com a corda no pescoço de tão endividado. E isso não só revela a verdadeira causa da atual crise mundial como também traz pistas importantes para as futuras crises do capitalismo.


A dívida privada dos EUA, o verdadeiro estopim da crise atual.

O endividamento total das famílias estadunidenses, que até a década de 1980 se mantinha em um patamar estável e reduzido, disparou a partir de então de forma descontrolada, dobrando aproximadamente a cada década e crescendo quase oito vezes o seu valor inicial até alcançar a cifra presente de cerca de 14 trilhões de dólares – mais do que a própria dívida governamental! E desse volume todo, mais de 75% são de dívidas com... Hipotecas! Assim, não é de espantar que o verdadeiro estopim da crise atual, a pior nos últimos 80 anos, não foram os subprimes que nem tanto se falou na grande mídia burguesa, mas sim o alto grau de endividamento do povo norte-americano!

E essa conta que estrangula o povo da nação que é o centro do sistema capitalista global só tende a aumentar. Tudo graças ao processo de superexploração do trabalho que vem se agravando de forma assombrosa nos EUA desde a década de 70! Até esta época, o crescimento da produção e dos lucros dos capitalistas era acompanhado de um aumento dos salários dos trabalhadores e do consumo. Porém, a partir daí, os lucros do capital e a produção do trabalho continuaram a crescer, mas os salários reais se mantiveram estagnados! Surgiu então um sério descompasso, crescente ano após ano até os dias atuais, entre o que os trabalhadores produziam e o que eles podiam comprar, com seu salário, daquilo que eles próprios produziram! Assim, não é de espantar que hoje, nos EUA, os 10% mais ricos ganhem 15 vezes mais do que os 10% mais pobres! De fato, as elites estadunidenses lograram impor ao seu povo um crescimento brutal da exploração, que aumentou de forma assombrosa os lucros dos capitalistas ao mesmo tempo em que gerou um dilema: se a produção aumentava mas os salários reais não, com quê dinheiro o povo seguiria comprando? A saída se deu por um crescimento vertiginoso do endividamento do povo, levando as dívidas das famílias norte-americanas a crescer até a assombrosa casa dos trilhões de dólares!

Todo esse endividamento do povo do Império, mais o crescimento descomunal dos lucros do capital, alimentou um processo de “financeirização” da economia global como jamais se vira antes. Pois enquanto os lucros excedentes do capital produtivo iam parar no sistema financeiro, este compelia o povo norte-americano (cada vez mais endividado, extenuado pela hiperexploração e ansioso por afogar suas mágoas no consumismo) rumo à tomada de mais e mais empréstimos, criando cada vez mais instrumentos sofisticados e condições favoráveis ao endividamento – sem o qual o novo sistema de exploração acelerada não sobreviveria. Incentivado pelas autoridades financeiras, o grande negócio do “gerenciamento da dívida” cresceu, engoliu o mundo através do neoliberalismo e inaugurou a era do “cassino global”, em que especular e “gerir a dívida” se tornou o negócio. Sempre que as forças caóticas do “livre mercado” financeiro-especulativo aproximavam a economia mundial do colapso, como nas inúmeras crises “financeiras” dos anos 90, os Bancos Centrais do mundo intervinham injetando mais dólares no mercado, aumentando o endividamento estatal e acalmando as coisas. Assim os capitalistas continuaram, crentes de que seu sistema do “cassino global” era perfeito e infalível. Ledo engano.


A agonia derradeira do Império.

É irônico notar que, por conta do seu endividamento crônico e irresponsável, de hoje em diante os EUA vão passar a sofrer cada vez mais do seu próprio veneno neoliberal, tendo que tomar medidas de “austeridade fiscal” no mesmo estilo daquelas que o Império impôs à América Latina via FMI, com as mesmas conseqüências desastrosas em termos sociais e econômicos. Serão cortes de investimentos sociais de um governo que já não gasta praticamente nada com seu povo, menos gastos com subsídios a uma economia já cambaleante e mais impostos, criando um cenário que conduzirá a uma perda acelerada do peso e da importância da economia estadunidense no mundo. Por conseqüência, os EUA sofrerão de uma perda ainda mais importante, a de influência política, medida pelo poder de seu exército. É evidente que os gastos colossais com a imensa máquina de guerra estadunidense, hoje responsável por mais da metade das despesas militares do mundo, também terão que ser drasticamente reduzidos, levando inevitavelmente a uma queda vertiginosa da capacidade de agressão imperial a outras nações distantes e à capacidade do Império em manter presença militar em todos os continentes do mundo. Com o tempo, o endividamento do Estado norte-americano obrigará o fechamento de bases militares no exterior, cortes drásticos nos gastos com novos projetos militares e redução da capacidade bélica imperial como um todo. Será o fim do exército mais poderoso que o planeta já viu, derrotado não por seus inimigos, mas sim pelo colapso do próprio sistema capitalista ao qual este serviu decisivamente por séculos – marcando assim o fim definitivo dos EUA enquanto Império global.

Porém, paralelo a isso, o outrora Império mais poderoso da História irá nas próximas décadas se afundar cada vez mais numa espiral descendente que pode lhe custar muito mais do que a simples perda da hegemonia global – inclusive afetando o destino de toda a Humanidade.


Conclusão: o dólar, a dívida e o risco de crise geral e guerra.

Juntando-se enfim as peças do que agora já se sabe sobre o dólar e a dívida, revela-se o mecanismo central da bomba relógio que levará ao fim do Império e – muito possivelmente – a novas e cada vez mais violentas crises do capitalismo internacional.

A lógica do capital é cruel para com seus próprios mentores: com o endividamento acelerado dos EUA, cada vez menos capitalistas vão querer “investir” na compra de títulos de dívida estadunidense, o que desvaloriza o dólar, diminui a aceitação global da moeda e, portanto, diminui a capacidade dos EUA em continuar “rolando” o que deve pela impressão de mais dólares. Isso, somado aos riscos internos da desvalorização da moeda (como a inflação), obrigará o governo norte-americano a oferecer juros cada vez mais generosos aos seus títulos de dívida (ou seja, mais endividamento) e, o que é pior para eles, obrigará o seu banco central a elevar cada vez mais as taxas de juros de sua economia para segurar o valor do dólar, o que no entanto irá estrangular o acesso ao crédito, algo fatal para uma economia cada vez mais endividada e dependente de empréstimos. Com menos crédito, agrava-se assim o endividamento do Estado e do povo norte-americanos, e novas ondas de inadimplências detonarão novas crises, que e se alastrarão com força pelo mundo. E a cada crise, agravam-se as tensões sociais e políticas no mundo dominado pelo capital e aumenta a fragilidade do Império e do sistema financeiro internacional a novas crises, com redução crescente da capacidade dos EUA e de seus aliados em enfrentar os efeitos das novas crises.

Foi exatamente o que aconteceu na crise atual, que começou quando o Banco Central estadunidense elevou as taxas de juros para conter a inflação (ou seja, perda de valor do dólar), levando a um estrangulamento do crédito, inadimplência generalizada e quebradeira geral dos bancos credores. E para sanar os efeitos da crise, os países centrais tiveram que recorrer a um endividamento colossal. Só nos EUA, de 2007 a 2009, a dívida pública saltou de 8,9 trilhões a 12 trilhões, indo de 65% a 90% do PIB...!

Não há muito o que se fazer contra essa espiral descendente dentro das regras do jogo. Mas em seu desespero, o Império agonizante poderá se ver tentado a mudar as regras desse jogo, à força.

Está claro que, apesar de até agora os EUA terem rolado suas crescentes dívidas imprimindo mais e mais dólares, chegará um momento que não será mais possível fazê-lo, e daí os EUA não poderão mais pagar suas dívidas. E dentre os governos credores dos EUA, o maior de todos (com uma conta de 800 bilhões de dólares) é a... China! Existe aí, portanto, um risco evidente à paz mundial: mais difícil do que imaginar o Império aceitando pacificamente o seu próprio desmantelamento, só mesmo imaginar que o país mais poderoso da Terra aceitaria calmamente ser penhorado pelo “inimigo”! Quando chegarmos a essa situação, isso poderá significar a Terceira Guerra Mundial. Seria o eixo EUA-Inglaterra-Israel contra o resto do mundo – envolvendo talvez até o Brasil, que pasmem, é o sexto maior credor dos EUA (atrás de Japão, Inglaterra, exportadores de petróleo e bancos centrais do caribe), com uma conta de 150 bilhões de dólares esperando para nos ser paga!


Considerações finais: a "crise final" do sistema só depende de nós.

Com essas informações, qualquer tentativa de antever o futuro que vá além da tendência geral de definhamento do Império e do sistema capitalista global por ele comandado é puro jogo de adivinhação. Não obstante, certos fatores dão conta de um futuro negro para o capital:

- O endividamento colossal das economias centrais do capitalismo moderno, que agrava a fragilidade destas e reduz cada vez mais sua capacidade de superar novas crises;
- A persistente dependência do mundo periférico para com os cambaleantes países centrais, que embora tenha reduzido nos últimos anos, ainda tem força para permitir o derramamento das crises para os países do chamado “Terceiro Mundo”;
- O fato de que, mesmo com essa crise gigantesca, nada foi feito em termos de criação de novos mecanismos de regulação do sistema financeiro (como se fez depois de 1929 e no pós-1945), mostra que todo o esforço de trilhões de dólares despendido pelo mundo até então serviu tão-somente para combater os efeitos, e não as causas desta crise, que assim não foi sanada, mas sim “empurrada com a barriga” pro futuro. Pior, não só as causas reais da crise não foram atacadas como foram de fato (pela força do aumento do endividamento global) agravadas!
- O anárquico e destrutivo sistema financeiro global, que funciona como correia transmissora e amplificadora das crises, deve se fortalecer ainda mais no futuro, pois com o endividamento crescente do planeta, o mundo vai se tornar cada vez mais dependente de um parasitário sistema financeiro.

Tendo em vista todos esses fatores, é bastante razoável supor que novas grandes crises econômicas nos aguardam no futuro próximo, que serão multiplicadas ainda mais em seu potencial devastador pela Crise Ambiental que já se avizinha. Podemos confiar neste fato, se não por tudo que foi exposto até aqui, ao menos por se conhecer a natureza irracional e auto-destrutiva do capitalismo.

O que isso tudo significa? Depende de nós. Uma nova grande crise pode levar a uma ascensão da xenofobia e do fascismo como há muito não se via; pode levar ao esmagamento total dos processos revolucionários em curso e arrastar o mundo para a Terceira Guerra Mundial. Ou pode também, por outro lado, representar a tão falada crise final do sistema capitalista, com sua destruição definitiva e substituição por um sistema de auto-planejamento consciente feito pela e para a sociedade (e não mais por e para uma classe dominante minoritária, seja ela burocrática ou burguesa). Pode ser, em outras palavras, a última grande oportunidade histórica da Humanidade de superar o capitalismo rumo ao socialismo, oportunidade esta que, caso não seja aproveitada, nos deixaria com poucas opções dentro da sentença luxemburguista de comunismo ou barbárie. Tudo depende da nossa capacidade de assumirmos o nosso “fardo histórico” de lutar pela transformação social. Para tanto, é preciso que nós, comunistas, socialistas revolucionários e anti-capitalistas do mundo inteiro, em especial nós do mundo periférico, o elo mais fraco da corrente do capitalismo mundial, sejamos muito mais organizados, disciplinados e, acima de tudo, politicamente maduros – nada de sectarismos bobos nem de tentar "recriar o passado". Além disso, o que também é vital, torna-se imprescindível que nos capacitemos tecnicamente, incluindo nas ciências econômicas, de forma que possamos “compreender os sinais” das crises vindouras a fim de, tal como Marx e Lênin ensinaram, saber exatamente quando e como agir.

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