sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ESPECIAL: Governo Lula, uma análise

Sumário:

A economia no governo Lula.
Crescimento do PIB, um fracasso mascarado.
O Combate à crise mundial.
Política de Crédito: o grande segredo do "lulismo".
O BNDES, reflexo perfeito da política de crédito do governo Lula.
Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.
A dívida externa: viva como sempre, e motivo de "orgulho" ao PT.
Dívida interna e política econômica: mais neoliberalismo.
Recusa à solução e retrocesso social.

Resultados sociais do governo Lula.
O salário mínimo no governo Lula.
O salário médio do trabalho no governo Lula.
O combate ao desemprego.
Distribuição de renda e programas sociais, o maior sucesso de Lula.
O "super-crescimento" da "classe média".

Conclusão

Referências


A economia no governo Lula.

Crescimento do PIB, um fracasso mascarado.

É verdade que, comparado ao pífio desempenho do (des)governo FHC, a economia do Brasil, medida por seu Produto Interno Bruto (PIB), cresceu muito mais na era Lula (ver gráfico abaixo). Mas o suposto "sucesso" petista neste quesito desaparece ao analisarmos o desempenho da economia mundial nos últimos vinte anos (ver tabela mais abaixo). Com FHC, o Brasil cresceu ao ano apenas 2,3% em média, metade da média dos países "em desenvolvimento" no período (4,3%). Já com Lula, o aparente maior crescimento brasileiro mascara o mesmo fracasso do desgoverno tucano. Pois o crescimento médio de 3,6% na era Lula ficou bem abaixo da média do mundo "em desenvolvimento" no período, com média anual de 6,5%. Com Lula, novamente o Brasil cresceu só a metade do mundo "em desenvolvimento". O mesmo fracasso em alavancar o desenvolvimento nacional que o desgoverno tucano, dessa vez no entanto camuflado pela mesma conjuntura mundial favorável que o Brasil sob Lula não soube aproveitar.



Crescimento econômico do Brasil nos governos FHC e Lula. Fonte: IPEA [01]



Crescimento médio anual (%) nos períodos Lula e FHC


Brasil (1)

países "em desenvolvimento" (2)

(1)/(2)

era FHC (1995-02)

2,3

4,3

0,532

era Lula (2003-09

3,6

6,5

0,549

Fontes: IPEA [01] e Fundo Monetário Internacional [02].


O Combate à Crise Mundial.

Em fins de 2008, a falta de controle estatal, a especulação desenfreada e a total irresponsabilidade de "investidores" e instituições financeiras estourou em uma grande crise nos países centrais, gerando uma "bola de neve" de falências, desemprego, redução do consumo e mais falências que, em maior ou menor grau, se espalhou por todo o mundo, inclusive o Brasil.

De acordo com os governistas, o Brasil "saiu ileso" da crise econômica global de 2008-2009, algo que no entanto pouco condiz com os fatos. Apesar de ter gastado mais de R$ 475 bilhões até abril de 2009, principalmente em isenções fiscais, aumento do crédito e "ajuda" a empresas "em dificuldade" [03], e a economia do Brasil encolheu em 2009, no auge da crise global, registrando um péssimo resultado em comparação com outros países. Naquele ano, entre 134 países de todo o mundo, o Brasil ficou em 84º lugar em matéria de desempenho econômico, com uma queda do PIB de 0,19%! O fato é que, diferente do Brasil, os demais países ditos "em desenvolvimento" (a periferia do mundo capitalista), no saldo geral não foram seriamente afetados pela crise, tendo crescido 2,4% naquele ano [02]. Só mesmo comparando o Brasil com os países ditos "desenvolvidos", que foram o epicentro, foco irradiador e vítimas maiores de sua própria crise, é que se pode achar que esta não nos afetou...

E como sempre acontece quando o capitalismo "entra em crise", também no Brasil a "privatização dos ganhos", comum nos tempos de prosperidade, deu lugar à "socialização das perdas" da recessão, de forma que os patrões, como sempre, lograram "passar a conta" desta para os trabalhadores. Só em janeiro de 2009, mais de cem mil postos de trabalho com carteira assinada foram cortados no país [04]! A mineradora Vale, uma ex-estatal roubada do poder público pela mesma privataria tucana contra a qual Lula nada fez, já havia demitido até meados de 2009 cerca de 2000 funcionários [05], mesmo tendo alcançado lucro recorde de R$ 21 bilhões no ano anterior [06]. Caso ainda mais gritante do impacto da crise no Brasil, e da total indiferença do governo com as consequências desta sobre os trabalhadores, foram as demissões da Embraer. Em fevereiro de 2009, a fabricante de aviões anunciou a demissão de nada menos que 4.270 funcionários (20% do seu quadro de empregados!), a maioria operários da linha de montagem, "por causa da crise!" Porém, o fato é que uma parte das dificuldades da crise são de responsabilidade da própria direção da empresa, que acumulou perdas "investindo" em especulação financeira irresponsável, e outra parte é de existência no mínimo questionável. Pois na verdade a Embraer, como muitas das empresas "em dificuldades", na verdade obteve ainda mais lucros para seus diretores e acionistas: no ano passado a empresa dobrou seus lucros, disparando de R$ 428 milhões para R$ 894 milhões, isso em pleno auge da "crise"[07]! O detalhe é que, mesmo sendo altamente lucrativa, a Embraer já vinha desde antes reduzindo drasticamente seu quadro de funcionários [04], o que põe em xeque os argumentos do patronato de que as demissões em massa "são necessárias por causa da crise." Na verdade, como qualquer grande empresa capitalista, a Embraer corta postos de trabalho constantemente, com ou sem crise, a fim de seguir a grande tendência do capitalismo mundial de "redução de custos" e "reestruturação produtiva". Para os donos da Embraer e de muitas outras empresas, a crise nada mais foi do que uma "desculpa" para levar seus eternos planos de "reestruturação" às últimas consequências, como sempre aumentando seus lucros e trazendo mais miséria e sofrimento aos trabalhadores. Porém, triste mesmo foi a atuação do governo frente a todo

esse descalabro. Na época do anúncio das demissões em massa, Lula se disse "indignado" com a súbita e autoritária decisão, tomada pela empresa sem nem sequer conversar com o sindicato; mas logo a seguir, após reunir-se com a direção da Embraer, o ex-operário abaixou a cabeça aos patrões e acatou sem problemas a demissão em massa na ex-estatal [08]....

Política de Crédito: o grande segredo do "lulismo".

A atividade do crédito é um importantíssimo termômetro da saúde econômica das Nações. Quanto mais dinheiro emprestado, mais as pessoas poderão comprar, mais as empresas produzirão e mais empregos serão criados. Diz também o quanto o governo, em grande parte através dos empréstimos de bancos públicos, tem influenciado o quadro geral da economia, além de revelar muito sobre os resultados de programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. Mas por outro lado, se as pessoas estão pegando muitos empréstimos, isso pode significar que elas vêm ganhando menos do que necessitam pra viver e consumir, gerando um círculo vicioso de consumismo desenfreado e endividamento.

Na era FHC, os créditos estagnaram por conta do "congelamento econômico" promovido pelo Plano Real. O crédito total oferecido à economia em 1999 era quase o mesmo de dez anos antes, e o crédito de bancos públicos virtualmente não existiu por toda a década de 90. Para piorar, medidas neoliberais como a adesão do Brasil ao Acordo de Basiléia (1994), permitiram aos bancos aumentar sua lucratividade emprestando menos e especulando mais [09]. Em resumo, durante o (des)governo FHC, não só os empréstimos para o desenvolvimento econômico rarearam como também o sistema financeiro tornou-se essencialmente parasitário, vivendo basicamente de uma agiotagem desenfreada em torno do serviço da dívida pública (ver mais sobre isso no item dívida).

A situação começou a mudar no governo Lula a partir de 2005, quando o volume de créditos para a economia entrou em um crescimento acelerado. De menos de 24% do PIB em fins de 2004 [10], o volume de créditos saltou a 45,9% do PIB em agosto deste ano [11]. A tabela abaixo demonstra claramente o tamanho expressivo deste crescimento.


crédito fornecido por todo o sistema financeiro*


habitação

rural

pessoa física

indústria e comércio

outros

TOTAL

2002

43

48

149

267

136

644

2008

57

105

387

383

219

1151

2010

116

115

502

483

332

1548


crédito fornecido pelo setor público*


habitação

rural

pessoa física

indústria e comércio

outros

TOTAL

2002

27

32

34

93

47

233

2008

40

58

68

135

94

395

2010

87

65

111

203

187

653

* todos os valores em reais de 2010
Fonte: Banco Central, notas para a imprensa.


Chama a atenção o fato de que o crédito total ofertado à economia mais que dobrou no governo Lula, enquanto o crédito fornecido pelos bancos públicos (especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal) quase triplicou no período! Destaca-se também, conforme tabelas a seguir, a recente aceleração abrupta nos financiamentos para a habitação, puxados em grande parte pelas mais de 400.000 casas já contratadas para o programa Minha Casa, Minha Vida [12], que representa uma importante ação governamental (talvez inédita no país) de combate ao nosso vergonhoso défcit habitacional.

Porém, por trás desse aparente sucesso, esconde-se o fato de que muito desse crescimento do crédito no país, até o ano da crise mundial (2008) se deveu, novamente, muito mais a uma melhor conjuntura econômica do que à ação do governo. Pois o fato é que (conforme as tabelas acima), até a crise de 2008, o crédito dos bancos públicos pouco cresceu no governo Lula, de forma que o crescimento no crédito foi muito mais puxado pelos bancos e financeiras privados, que por força da conjuntura atual, se tornaram menos parasitários (e mais financiadores do desenvolvimento) do que na era FHC. Dois motivos alheios ao governo levaram a esse crescimento do crédito privado: primeiro, a acentuada queda na taxa de juros SELIC (fixada pelo Banco Central, que é completamente autônomo com relação ao governo), que embora ainda seja uma das maiores do mundo, reduziu-se a ponto de frear a especulação e destravar o crédito (a SELIC despencou sucessivamente de 26% em 2003 a 17% em 2005 e 10,75% em 2010)[01]; e segundo, a necessidade dos bancos de encontrar onde reinvestir seus mega-lucros acumulados por décadas com a agiotagem da dívida (ver mais no item dívida), levando-os a ir além da especulação pura e simples e a diversificar seus negócios oferecendo mais crédito.

A ausência quase total do governo no setor só começou a mudar com a crise mundial de 2008, a mais grave do capitalismo internacional em quase um século. Para tentar impedir o afundamento da economia, o governo Lula se viu obrigado a "abrir a carteira" dos bancos públicos, que a partir daí registraram um crescimento vertiginoso nas suas atividades, puxando o crédito total da economia pra cima e ajudando a atenuar os efeitos da crise no país. Porém, embora tenha sido um movimento importante no sentido de desconstruir o dogma neoliberal do "Estado mínimo", reforçando o papel estatal de condutor e orientador do desenvolvimento, pouco adiantou para impedir o fiasco do Brasil frente à crise (ver combate à crise). Pior, tudo indica que tal movimento de reforço do crédito por parte do Estado seja apenas temporário, uma "medida excepcional" apenas para combater a crise; de fato, à medida que a crise vai se distanciando, voltam a crescer as pressões neoliberais-conservadoras dentro e fora do governo contra o que se considera um "crescimento excessivo e perigoso" do crédito [13][14]. Além do mais, há que se estudar mais a fundo o quanto desse crescimento súbito do crédito público se perdeu nas "operações de socorro" aos lucros das grandes empresas "em dificuldades" por conta da crise (ver novamente em combate à crise); de fato, o comportamento anômalo da oferta de crédito no Brasil, com seu súbito crescimento durante a crise, na verdade não desconstrói o neoliberalismo do governo Lula, mas antes o reforça: Estado mínimo e especulação desenfreada em tempos de "prosperidade", Estado "gigante" e "intervencionista" para salvar os lucros dos capitalistas durante as crises!


crédito ao consumo (em R$ bilhões, corrigidos para reais de 2010)


cartão de crédito

crédito pessoal

cheque especial

aquisição de veículo

TOTAL

2002

22

38

160

22

240

2008

74

82

144

35

335

2010

115

92

153

53

413


crescimento médio anual (%) das modalidades de crédito


crédito total

crédito bancos públicos

crédito para consumo

crédito público p/ pessoa física

crédito total p/ habitação

crédito público p/ habitação

2002-08

10,2

9,2

5,7

12,2

4,8

6,8

2008-10

16

28,6

11

27,8

42,7

47,5

Fonte: Banco Central, notas para a imprensa.


O BNDES, reflexo perfeito da política de crédito do governo Lula.

Um resumo extremamente ilustrativo da evolução e do caráter das políticas de crédito ao longo dos oito anos do governo Lula é dado pela atuação do BNDES [15]. O volume de créditos oferecido pelo principal banco federal de fomento à produção passou por um crescimento importante nos primeiros anos do governo Lula, indo de R$ 25 bilhões em 2002 para R$ 52 bilhões em 2006. Mas foi com a crise mundial que o banco registrou seu grande salto de financiamento, disparando a impressionantes R$ 138 bilhões em 2009! Porém, refletindo o mote do Estado neoliberal de ser "máximo" para os capitalistas e "mínimo" para o povo, o grosso deste salto no financiamento do banco federal, subsidiado com dinheiro dos nossos impostos, ficou concentrado na ajuda a poucos e enormes grupos empresariais, numa clara prioridade estatal ao processo de formação e fortalecimento das chamadas "multinacionais brasileiras", onde além da Petrobrás (uma das poucas empresas públicas neste grupo), se encontram colossos privados como a a Vale, os gigantes das telecomunicações, as grandes empreiteiras da construção civil, grandes empresas de setores como geração de energia, construção naval, siderurgia e o agronegócio, em especial a JBS Friboi, que se tornou a maior do mundo no setor de carnes. Na sua maioria, entre os grandes beneficiados pelo crédito público barato e subsidiado do BNDES estão, portanto, gigantescos monopólios que geram poucos empregos e são basicamente produtores de artigos primários e/ou matérias-primas para a exportação. Assim, se na era FHC o "projeto de desenvolvimento nacional" era de uma "colônia agro-exportadora", no governo Lula a visão de desenvolvimento é quase a mesma, com a exceção de que nossos minérios, agrícolas e produtos básicos são exportados pelas tão gloriosas "multinacionais brasileiras" de Lula! E como se não bastasse a orientação mais que suspeita desta "política pública de crédito" do BNDES, ainda há sérios indícios de que agora, passada a crise, nem mesmo os monopólios continuarão a receber benesses [16], o que só reforça as suspeitas de que a mina de votos do crédito abundante será, passadas as eleições, substituída pela velha "responsabilidade fiscal" que marcou a maior parte do governo Lula.

Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.

Na explosão do crédito registrada após a crise de 2008, há que se destacar o crescimento vertiginoso do crédito à pessoa física para consumo (dinheiro emprestado para as pessoas comprarem mercadorias) e a sua íntima associação com os altíssimos índices de popularidade do governo Lula. Observando as tabelas logo acima, vê-se que o crescimento médio anual de diversas modalidades de crédito para consumo pessoal acelerou bastante após 2008. De 2002-08 a 2008-10, o crescimento médio anual do crédito para consumo acelerou de 5,7% a 11%, o cartão de crédito foi de 22,4% a 24,7%, os empréstimos de bancos públicos para o consumo saltaram de 12,2% a 27,8% e o crédito para compra de veículos disparou de 8% a 23% [17]! O detalhe crucial, que a muitos passou despercebido, é que os índices de aprovação e confiança da população em Lula, medidos pelo Ibope e pelo Datafolha, só alcançaram os atuais valores recordes (mais de 70%) por volta do final do primeiro semestre de 2008, a mesma época da disparada da oferta de crédito para o consumo! Antes disso, Lula tinha índices de aprovação tão ruins quanto o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (em torno de 50% ou até menos) [18]!

Disto conclui-se que um dos principais fatores (senão o principal) do "sucesso" do governo Lula, quiçá da própria consolidação do "lulismo" como força política de massas, é a recente e inédita explosão de uma onda consumista por parte do povo, financiada por empréstimos e mais empréstimos, gerando uma "base de crescimento" econômico instável e potencialmente catastrófica, porque sustentada numa torrente de empréstimos e endividamento sob taxas de juros ainda muito elevadas (atualmente em 10,75%, a taxa básica de juros da economia ainda é de longe a maior do mundo [19]), o que já faz com que mais de que 52% de todas as famílias brasileiras estejam endividadas, percentual que sobe para mais de 60% dentre as famílias da classe média [20]! Com base nesse super-endividamento alimentado pela equação salários-de-fome (ver mais em salário médio) mais crédito abundante, hoje vale como nunca o velho bordão lulista de que "nunca antes neste país" o povo consumiu tanto quanto nos últimos dois anos! Isso produziu junto ao povo uma súbita sensação de riqueza e de melhora no padrão de vida como jamais se viu antes, numa aparência ilusória que constitui o lado mais perverso dos oito anos de opção reformista do PT. Pois o fato é que, fazendo-se o povo consumir mais e mais supérfluos, se camufla a triste realidade das coisas essenciais à vida! Esconde-se mais facilmente, pela ilusão consumista, que o governo Lula pouco fez contra o desemprego, a exploração, os baixos salários e os altos lucros dos capitalistas, e pior, serviu para esconder até mesmo os retrocessos do governo Lula que mais ameaçam nosso futuro, como os ocorridos em educação e saúde (ver retrocesso social).

A dívida externa: viva como sempre, e motivo de "orgulho" ao PT.

Quando se fala da dívida externa no governo Lula, a primeira idéia que se vem à cabeça é o bordão governista, amplamente difundido pela mídia, de que o governo do PT "acabou com a dívida". Apenas uma ínfima parcela disso é verdade, mais especificamente, a parcela da nossa dívida externa devida diretamente ao FMI. O restante da dívida, devida a bancos e governos do mundo inteiro, na verdade sua imensa maioria, segue intocada. Inclusive esta voltou a crescer nos últimos anos, alcançando em junho a marca de 225 bilhões de dólares [01]! Pior, se contarmos também a dívida privada (que a exemplo do que ocorreu no passado, pode voltar a ser convertida em mais dívida pública), o montante que devemos ao exterior passa dos 300 bilhões de dólares [01]! Para pagar essa dívida e(x)terna, drena-se todo ano, às dezenas de bilhões de dólares, grande parte do suor do trabalho do nosso povo, canalizados para abastecer a sede insaciável dos mega-especuladores internacionais, através dos sucessivos resultados positivos das exportações registrados no governo Lula.

Quando se fala, aliás, na relação Lula e FMI, há de se lembrar que os petistas, hoje, se vangloriam do fato de que, sob Lula, o governo hoje empresta dinheiro ao FMI. É espantoso vê-los se orgulhar com isso, já que há muito de questionável no valor desta prática. Como podem se agradar em ver um país pobre, com graves problemas sociais que nem o Brasil, emprestando dinheiro para que os grandes agiotas do mercado internacional continuem impondo arbitrariamente, sobre outros países pobres, os mesmos planos maléficos de ingerência, estagnação e miséria que por tanto tempo foram o flagelo do nosso povo? Como pode alguém se orgulhar de ver essa mesma política neoliberal ser proliferada mundo afora, às custas do nosso dinheiro e patrocinada pelo mesmo PT que, como oposição, criticou-a asperamente? Nada mais coerente, afinal, mesmo com o fim da dívida junto ao FMI, a ingerência deste em nosso país continua, desta vez por uma irresponsável opção conservadora do governo do PT! Mesmo sem imposição externa, o governo continua seguindo à risca aquela mesma política econômica neoliberal inaugurada por FHC (basicamente de "serviço à dívida", e não ao povo e ao desenvolvimento), para piorar aprofundando-a sob diversos aspectos (ver a seguir em dívida interna).

Dívida interna e política econômica: mais neoliberalismo.

Muito pior que a dívida externa, só mesmo a interna, que na prática não existia antes da era FHC, e a despeito da (ou seria por causa da?) "responsabilidade fiscal" reinante deste então e até os dias atuais, a dívida interna aumentou quase 10 vezes no desgoverno tucano e mais que dobrou no governo Lula [21]! Atualmente, a dívida interna do setor público no Brasil já chega a 1,5 trilhão de reais [22]! Mesmo crescendo nesse ritmo, o chamado "serviço da dívida" já drenou dos cofres públicos quase R$ 4 bilhões desde 1992 (em reais de 2010) [23], um verdadeiro "bolsa banqueiro" pago pesadamente às nossas custas! Só em 2009, o governo Lula comprometeu R$ 370 bilhões dos nossos impostos (ou 35,57% do orçamento do Estado!) com os agiotas e "mega-investidores" nacionais. Naquele ano, como de costume por todo o governo Lula, o "bolsa banqueiro" bateu de longe os gastos com educação (2,88%), saúde (4,64%) e até os da tão dita "super deficitária" previdência (25,9%) [21]. Só assim pra entender como os grandes bancos conseguiram registrar no primeiro semestre de 2009, em pleno auge da crise, lucro recorde de R$ 14 bilhões [24]!

Vê-se, pelo descalabros dos números, que a dívida pública é, sem sombra de dúvida, o grande entrave ao desenvolvimento econômico e social do Brasil, uma chaga que representa de longe o maior sangradouro nacional de recursos públicos, maior até do que a corrupção; a maldição da dívida é o grande motivo pelo qual sempre "falta dinheiro" para tudo que o governo faz; é o grande motivo da nossa elevada carga tributária e a razão secreta pela qual tais impostos não se revertem em resultados para o país. E o que o governo Lula fez para combater este gravíssimo problema? Apropriou-se da máxima do desgoverno neoliberal de FHC, "aos banqueiros tudo, ao povo migalhas", e a levou adiante com ainda mais esmero!

Recusa à solução e retrocesso social.

O fato mais escandaloso com relação à nossa dívida, que poucas pessoas conhecem, é que existe uma solução relativamente simples ao problema, solução que vai muito além do "calote" puro e simples. Ainda que prevista na Constituição de 1988, a jamais realizada auditoria das contas da dívida pública é vital para precisar quanto o governo deve realmente aos banqueiros e especuladores; se fosse realizada, conforme obriga a lei, a auditoria levaria ao cancelamento de grande parte da nossa dívida. Exemplo disso foi dado pelo governo de Getúlio Vargas, que após realizar uma auditoria da dívida externa em 1932, conseguiu cancelar junto ao governo da Inglaterra mais da metade de tudo que pagávamos como "dívida", simplesmente por esta não existir e/ou ter sido contraído de forma ilegal [25]. E a exemplo daquele tempo, há hoje sérios indícios de fraudes e ilegalidades acerca da dívida, como ficou evidente em episódios grotescos como o ocorrido em setembro de 2001, quando o Banco Central detectou, por simples acaso, um "erro" no valor da dívida externa que a inchava em 32,7 bilhões de dólares [26]! Além de tais "erros", é de se questionar se "caloteiros" não são os que nos impuseram uma dívida bancada em grande parte por um governo ilegítimo (a ditadura civil-militar de 1964-85), a seguir super-inflada nas últimas décadas por juros fixados arbitrária e unilateralmente pelos próprios credores!

Apesar de haver motivos suficientes para uma suspensão imediata do pagamento da dívida para a posterior realização de sua auditoria, o governo Lula preferiu seguir na contramão de todo princípio ético e de justiça social, pagando como um "bom menino", por todo o seu governo, cada centavo desta dívida injusta e ilegal. Pior, conforme a tabela abaixo, conseguiu engordar o "bolsa banqueiro" ainda mais do que o desgoverno tucano! A cada real arrecadado dos nossos impostos, FHC gastou 21 centavos com os banqueiros, enquanto Lula, pasmem, gastou 30 centavos! Mas o pior de tudo, que atesta em termos de retrocessos sociais, todo o custo da "responsabilidade" em "honrar nossos compromissos" com a dívida, é que até mesmo o desgoverno FHC conseguiu investir mais em educação e saúde do que Lula, com 11 centavos por real dos nossos impostos indo para estas áreas, contra apenas oito do governo petista! Tudo isso vindo de um governo que se diz dos trabalhadores, mas que no entanto, conseguiu investir menos em educação e saúde do que um governo de direita! É certo que FHC preparou uma "arapuca" ao governo que o seguiu, "rolando" para um futuro próximo parcelas de uma dívida que têm vencido nos dias atuais, mas isso não tira o fato que Lula aceitou continuar pagando a dívida (e o fez sendo mais realista do que o próprio rei!), quando lhe bastaria aplicar a lei da auditoria para resolver o problema!


gastos com dívida, educação e saúde: governos FHC e Lula*


gasto c/ dívida (bilhões R$)

total arrecadado no governo inteiro (R$ bi)

gastos com educação e saúde (bi R$)

% do orçamento perdido com dívida

% do orçam. p/ educação, saúde

governo FHC

1.250

5.832

636,8

21,4

10,9

governo Lula

1.882

6.171

476

30,5

7,7

* obs: valores monetários em reais de 2010
Fonte: Tesouro Nacional [23].


A face mais absurda de todo o problema da dívida interna é que os juros desta (responsáveis por grande parte dos gastos anuais do governo com a dívida, e que fazem-na crescer constantemente numa "bola de neve" impagável), são fixados em patamares altíssimos [19] pelo próprio poder público, através da taxa SELIC do Banco Central (BC). Mas quem, afinal, tem controle sobre o Banco Central? Não é o governo, mas sim o próprio mercado (ou seja, os credores), que tem total poder sobre o órgão central de regulação das finanças do país desde que FHC instituiu a "autonomia" do BC... É literalmente a raposa cuidando do galinheiro! E o que Lula fez contra esta situação absurda? Novamente, nada...!

Com tantos privilégios dados aos banqueiros e grandes capitalistas, fica difícil sobrar algo dos nossos próprios impostos para nós mesmos. É aí que vemos como o governo Lula consegue, em termos econômicos e sociais, rivalizar com alguns dos piores retrocessos do desgoverno FHC. Nada mais coerente, afinal, Lula em nada mudou a velha política econômica neoliberal demo-tucana, o código economicista de "metas de inflação, 'autonomia' do Banco Central, câmbio flutuante e superávit primário", que traduzido ao português, significa "Estado máximo aos grandes capitalistas, e mínimo para os trabalhadores"! Esta foi a política econômica do governo Lula: a mesma política econômica neoliberal de FHC, que Lula e o PT tanto combateram enquanto oposição, aprofundada ainda mais pelo governo desse partido "dos trabalhadores".



Resultados sociais do governo Lula.


O salário mínimo no governo Lula.

Quando se fala dos salários no governo Lula, a primeira coisa que se vem em mente é a evolução do salário mínimo no governo petista, que de acordo com o gráfico a seguir, foi muito maior do que na era FHC. Apesar de aumentar o salário mínimo abaixo da inflação duas vezes no seu governo, Lula conseguiu no todo sustentar um maior crescimento médio anual do salário mínimo do que seu antecessor (6,9% contra 1,98% de FHC); Lula também realizou um crescimento real do salário mínimo acima do crescimento do PIB, ao contrário do crescimento abaixo do PIB registrado no governo tucano. Como reflexo deste importante crescimento real no salário mínimo, Lula foi capaz de aproximar muito mais o salário mínimo do valor ideal, medido pelo salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE [27] . No entanto, o atual salário mínimo no Brasil, de R$ 510, continua distante de um valor digno à vida humana, representando atualmente apenas um quarto do valor necessário do DIEESE, de R$ 2023,89.



¹ Fonte: IPEA
² Nominal menos a inflação, medida pelo IGP-M da FGV


O salário médio do trabalho no governo Lula.

No entanto, se observando por baixo, é verdade que, no governo Lula houve um crescimento real do salário mínimo muito maior do que na era FHC, ao observar-se pelo meio, em contrapartida, o rendimento médio real dos assalariados nas principais capitais não se alterou no governo Lula, indo, de acordo com o SEADE [28], de R$ 1.314 em 2002 para R$ 1.319 em 2009! Isso apesar da economia brasileira ter crescido 27,7% no acumulado do período! Tal resultado negativo, que abrange uma parcela da população muito maior do que a que recebe salário mínimo, mostra que o governo Lula foi incapaz de alterar a face mais perversa do "desenvolvimento capitalista": a de que o bolo do crescimento econômico, quando há, fica apenas para os ricos e os grandes capitalistas. Tal fato pode ser melhor visualizado na tabela a seguir, onde os anos em que os rendimentos médios do trabalho, mesmo que já excessivamente rebaixados, só raras vezes cresceram acima do PIB.


ANO

Crescimento do PIB (%)

Crescimento da renda média (%)

IBGE

Ocupados¹

Assalariados¹

1998

0,04




1999

0,25


-4,8

-3,5

2000

4,31


-4,7

-5,7

2001

1,31


-6,0

-4,5

2002

2,66


-5,4

-4,9

2003

1,15

-10,8

-8,5

-7,4

2004

5,71

0,2

0,7

1,4

2005

3,16

2,4

0,0

0,2

2006

3,96

4,4

2,7

1,8

2007

6,09

3,6

1,2

1,0

2008

5,14

3,9

2,8

1,9

2009

-0,19

2,3

1,4

1,1

¹ de acordo com os critérios do SEADE [28]
Anos de crescimento da renda acima do PIB grifados em negrito.


No saldo, mesmo com o péssimo resultado geral dos salários no governo petista, a popularidade de Lula salvou-se pelo crescimento sem precedentes no crédito ao consumo, em especial no fim do seu governo (ver crédito). No entanto, um crescimento no padrão de vida material que não se sustenta pela renda própria, além de conduzir o endividamento das pessoas a níveis perigosos para a estabilidade econômica [20], tem levado a uma sensação ilusória de falsa prosperidade pelo consumismo que, em última análise, só serve para mascarar muitos dos péssimos resultados sociais do governo Lula, como a redução nos investimentos em educação e saúde a níveis inferiores até ao do desgoverno FHC (ver dívida e retrocesso social).

Com todos esses números, só mesmo um aumento exponencial no crédito para o consumo, como registrado no governo Lula, poderia manter o consumo, a economia e a popularidade do presidente em alta. Mas com os salários em baixa e o crédito em alta, até quando iremos antes que estoure a bolha do super-endividamento?

O combate ao desemprego.

Diz-se também que, com Lula, os empregos dispararam "a níveis jamais vistos". Nada mais falso. Apesar do aumento no número de empregos com carteira assinada, o quadro do emprego total no Brasil continua sombrio. De acordo com o SEADE, o desemprego médio anual total das principais capitais atingiu o absurdo valor de 16,99% de 2003 a 2009, apenas um pouco melhor do que a horrorosa média de 19,2% do segundo mandato de FHC [29]. Contra esses números, os governistas protestam dizendo que, para outro órgão de pesquisa (o IBGE), o desemprego apresentou taxas muito menores do que as do SEADE. No entanto, diferente do IBGE, o SEADE considera em seus estudos o chamado desemprego oculto (desocupação pelo trabalho precário e desalento), representando portanto um quadro muito mais realista da situação do emprego do que o do IBGE. Ainda assim, os lulistas enchem a boca pra dizer que, em julho deste ano, o desemprego atingiu a menor média da série histórica do IBGE. Pra entender a piada, porém, é preciso lembrar que a série histórica do IBGE, não por coincidência um órgão do governo federal, começa em 2002, já às portas do primeiro mandato de Lula. Que bom que só agora, no fim do seu segundo mandato e às vésperas das eleições, que Lula conseguiu registrar o menor desemprego do seu próprio governo!

Isso sem contar que, mesmo esse "menor desemprego da série histórica" pode ser ilusório, pois este ano o Brasil vem registrando um crescimento econômico muito acima do normal, tipicamente restrito a épocas de imediato pós-crise, como a que vivemos em 2008-09 (ver combate à crise).

Um detalhe importante nisso tudo é que o desemprego continuou alto no governo Lula, apesar do maior crescimento econômico registrado no período. Isso demonstra que a solução ao problema do desemprego no Brasil não passa mais, pura e simplesmente, pela busca de um "maior crescimento"; faz-se necessária, mais do que nunca, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, ainda mais se levarmos em conta que a atual jornada de trabalho no Brasil (de 44 horas) é uma das maiores do mundo[30]. Os principais sindicatos do Brasil já levantam essa bandeira há vários anos, apontando estudos que demonstram o grande potencial que tal medida tem para gerar mais empregos e melhorar a qualidade do trabalho [31]. No entanto, passados oito anos de governo "dos trabalhadores", nada de redução da jornada de trabalho, o que nos leva a crer que o "país de todos" de Lula é, como sempre, muito mais dos patrões do que dos trabalhadores...

Distribuição de renda e programas sociais, o maior sucesso de Lula.

É na distribuição de renda nacional, medida pelo coeficiente Gini de desigualdade, que se observa o maior sucesso do governo Lula. Durante os oito anos do governo FHC, o índice Gini de desigualdade reduziu 12 milésimos no Brasil, indo de 0,604 para 0,589. Porém, nos sete primeiros anos do governo Lula, esse índice reduziu 40 milésimos, indo de 0,589 para 0,543 [01]! Mesmo considerando o crescimento econômico maior no seu período, Lula conseguiu diminuir a desigualdade num ritmo muito mais acelerado do que FHC. Contribuíram para isto os aumentos reais no salário mínimo e, principalmente, os programas assistencialistas do governo Lula, como o Bolsa Família, criado pelo governo tucano e expandido enormemente por Lula, até o ponto de que hoje, 50,4 milhões de pessoas (26% da população) são beneficiadas por repasses de R$ 22 a R$ 200, totalizando somente no primeiro semestre de 2010, gastos de R$ 6 bilhões com o programa [32]. No todo, os fundos para assistência social triplicaram do final do governo FHC até o final da era Lula, alcançando a marca de R$ 33 bilhões em 2009 [23]. Mesmo sendo pouquíssimo comparado com os R$ 370 bilhões torrados com o "bolsa-banqueiro" no mesmo ano (ver em dívida interna e política econômica), o montante tem sido capaz de reduzir a pobreza extrema no Brasil, tornando os mais pobres, no entanto, cada vez mais dependentes de programas puramente assistencialistas que só lhes aliviam a miséria e não lhes garantem o futuro, o que no entanto, diante dos votos que proporcionam a qualquer político, parece ser pouco importante tanto à oposição de direita (que criou o programa e prometeu ampliá-lo) quanto ao governo Lula (que o expandiu). Além do mais, o fato dos os salários médios da totalidade dos trabalhadores no Brasil terem se mantido estagnados no governo Lula (ver salário médio) não só reforça a dependência das pessoas para com o assistencialismo puro e simples como também leva a se identificar outras razões para as recentes altas recordes nos índices de popularidade de Lula (ver crédito) que não o "bolsa-esmola".

Não obstante, há muito que se criticar com respeito a "via assistencialista" como caminho para a redução da desigualdade no Brasil. A redução da pobreza extrema não pode mascarar a total renúncia ao enfrentamente das raízes das disparidades sociais. O caráter imediatista e pouco emancipador das atuais políticas públicas, a continuidade das privatizações (estendidas a rodovias, ferrovias, o nosso petróleo, o pré-sal, etc.), a prioridade aos interesses de banqueiros e grandes capitalistas em detrimento aos investimentos sociais (ver dívida e retrocesso social); a priorização ao agronegócio e os retrocessos na realização da tão prometida reforma agrária (com o próprio MST realizou menos assentamentos da reforma agrária do que o próprio desgoverno FHC [32a]), são sinais mais do que claros de que não se confrontaram os eixos centrais de um nefasto e excludente modelo econômico.

Além disso, mesmo com a melhora significativa do nível de igualitarismo no Brasil sob Lula, ainda estamos longe de uma situação de distribuição de renda minimamente justa. No Brasil, os 10% mais ricos da população ainda ganham 51 vezes mais do que os 10% mais pobres, enquanto no Uruguai este índice fica em 18 vezes, e na Noruega, em apenas 6 vezes [33]. Também o ritmo da diminuição da desigualdade no Brasil, a despeito de todo o "sucesso" que se atribua a este, segue muito lento: no ritmo atual, levará 41 anos para o Brasil atingir o mesmo grau de igualitarismo da União Européia [34]. São indícios claros de que não será o assistencialismo, mas somente o combate às raízes mais profundas do problema da concentração e distribuição de renda, que poderá resolver de vez a desgraça da desigualdade no Brasil. Porém, isso só se realizará com o enfrentamento aos grandes capitalistas e burgueses que se privilegiam do nosso excludente modelo social, algo totalmente incompatível com as pretensões "conciliatórias" do país "de todos" sonhado por Lula.

O "super-crescimento" da "classe média".

Talvez o mais escandaloso dos mitos, este não se sustenta nem ao estudo dos próprios critérios de definição de "classe média" apresentado pelos petistas. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelos estudos do "crescimento vertiginoso" da classe média, entende-se como pertencentes à tecnicamente chamada "classe C" aquelas famílias com rendimento mensal entre R$ 1126 e R$ 4854 [35]. Ora, levando-se em conta o número médio de 2,7 indivíduos por família no Brasil (considerando-se, de forma bem otimista, o ritmo de diminuição da família média brasileira registrado pelo IBGE nos últimos anos [36]), vê-se que a "classe média" da FGV e de Lula tem renda mensal por indivíduo familiar entre R$ 417 e R$ 1798! Um piso bem abaixo do atual salário mínimo (R$ 510) e um teto também abaixo do salário mínimo necessário a uma vida digna de R$ 2023,89 do DIEESE [27]! Ora, pergunta-se então, que classe média é essa que tem salário de pobreza, e muitas vezes das mais extremas? Enquanto esta "classe média" (na verdade, classe pobre) representa hoje pouco mais de 50% da população, a verdadeira classe média (a B, com rendimento de R$ 1798 a R$ 2344 por indivíduo na família) fica na "impressionante" cifra de menos de 10% da população. Já as classes D e E (os miseráveis extremos) são quase 40% da população [35]!

Disto conclui-se que, apesar da queda acentuada no número de pobres extremos no Brasil nos últimos anos, o quadro está muito longe de ser a "maravilha" pintada pelo governo Lula e pela grande mídia, considerada por alguns de "golpista".


Conclusão.

Para aqueles que por tanto tempo sonharam com um Brasil diferente, livre da exploração e dos desmandos dos poderosos que sempre nos governaram, a "vitória da esperança sobre o medo" concretizada com a eleição do ex-operário Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002 trouxe resultados ambíguos e contraditórios. Se, por um lado, os oito anos de governo do Partido dos Trabalhadores presenciaram certas melhoras imediatas notáveis na vida do nosso povo, em especial na redução considerável da desigualdade e da pobreza extrema, graças a uma combinação de conjuntura econômica mundial favorável com vigorosas políticas de valorização do salário mínimo e de assistencialismo, por outro lado a persistência de diversos problemas estruturais, em especial a total recusa de desconstruir quaisquer dos retrocessos neoliberais dos governos anteriores, fez com que pouco ou nada se realizasse no governo Lula para combater as raízes dos nossos problemas sociais, o que levou a diversos resultados econômicos e sociais negativos, e inclusive produziu retrocessos inaceitáveis a qualquer governo "dos trabalhadores".

No geral, a manutenção dos pilares da política econômica neoliberal de FHC, o desperdício recorde dos recursos públicos com os gastos da ilegítima, ilegal e impagável dívida pública, em níveis muito superiores até ao do desgoverno tucano, a recusa em reverter todo o desmonte do Estado brasileiro realizado pelo PSDB (pelo contrário, aprofundando tal desmonte com mais privatizações e "reformas", como a universitária e da previdência), a perda de autonomia da classe trabalhadora, através do aparelhamento dos seus sindicatos em prol de um governo que frequentemente ficou do lado dos patrões (como ficou escancarado durante a crise), a não-realização da tão prometida reforma agrária (que teve resultados mais pífios do que no próprio governo FHC), tudo isso levou a diversos resultados sociais negativos, como o alto desemprego, a estagnação dos salários gerais, a violência urbana que pouco se alterou e, o que é pior, o retrocesso evidenciado na redução de investimentos públicos essenciais, como de educação e saúde, que no governo Lula receberam menos investimentos do que o já terrível governo FHC!

Ao povo brasileiro como um todo, que não viu quaisquer melhorias em diversos aspectos cruciais na sua vida (quando não retrocessos!), restou como alento um crescimento no crédito popular para o consumo sem precedentes na História brasileira, cujo explosão, em 2008, não por coincidência ocorreu paralelamente às altas na popularidade de Lula que o elevaram, de um presidente "regular" na maior parte do seu mandato, até os patamares atuais de "fenômeno de popularidade", uma "quase unanimidade" inédita na nossa história. A "súbita sensação de riqueza" proporcionada por um salto no consumista jamais visto no Brasil foi vital para mascarar a fraquíssima atuação do governo em inúmeras áreas prioritárias ao bem estar e à vida, o que no futuro não apenas tende a aumentar o endividamento de todas as classes sociais até níveis potencialmente catastróficos, como também descreve com precisão a "herança maldita" do fim do governo Lula: um povo que se vê em um "presente próspero", comprando carros, celulares e televisores de plasma, mas que mal sabe ler, morre nas filas do SUS e que, com tudo isso, sem saber vai condenando o seu próprio futuro...

À luz de todos estes resultados, e por toda a esperança que se teve com a inédita e inebriante vitória de um "partido dos trabalhadores" nas eleições presidenciais de 2002, o veredito da história acerca da era Lula não podia ter sido mais duro: uma gigantesca desilusão!

Para entendermos como isto foi possível, é preciso ver que, por trás dos princípios político-ideológicos que produziram tais resultados, houve no governo Lula uma clara opção pela recusa às posições históricas mais marcantes do PT, na verdade uma guinada de 180 graus: recusa à um projeto de cunho socialista em prol de outro de manutenção e expansão do que há de mais atual (e selvagem) no mundo em termos de capitalismo (o neoliberalismo); recusa à sua postura classista (isto é, de posicionamento ao lado dos trabalhadores e contra seu adversário de classe) em prol de um tanto suspeito projeto de "um país de todos" que inclui também, e acima de "todos" os demais, os patrões, os grandes banqueiros e capitalistas; e acima de tudo, o que engloba e condensa os demais pontos, recusa à sua anterior busca pela construção de uma alternativa não-capitalista ao Brasil, em favor de uma ideologia reformista, que visa não mais superar o capitalismo, mas sim "humanizá-lo", nem que para isso seja preciso "alavancar" este nosso incipiente capitalismo às custas do povo trabalhador...

Aos que ainda acreditam, no entanto, que o governo Lula apenas "recuou" (ou se viu forçado a "ceder") nas suas posições por conta do tão falado problema da "governabilidade" em um Congresso em grande parte controlado por partidos de direita e conservadores, é preciso lembrar que a História está repleta de exemplos de que, quando se quer tentar, sempre há opções. Para ficar num exemplo vizinho e atual, basta ver que presidentes progressitas muito mais avançados, como Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, iniciaram seus governos sem poderem contar com um único deputado sequer, tendo que lidar com Congressos cem por cento dominados pelos conservadores, e mesmo assim foram capazes de ir muito além do governo do PT, pois buscaram a sua "governabilidade" no povo, e não em corruptos congressos burgueses!

No fim das contas, apesar de todo o desvio (e por que não dizer, traição histórica) do PT, ainda há esperança capaz de enfrentar a mudança que nosso país realmente precisa. Não é certamente a "esperança" dos partidos e políticos da velha direita tradicional, centrados novamente na liderança do PSDB, cuja vitória nas urnas este ano certamente traria perdas muito maiores ao país e ao nosso povo do que um eventual novo governo petista. Nem significa, ao contrário, que só nos resta "engolir" novamente o "capitalismo enfeitado" do PT "por pura falta de opção." Não temos de nos resignar em escolher eternamente entre o pouco e o nada, mesmo que a opção para tanto, a saber a longa e penosa tarefa de reorganizar a alternativa política dos partidos da esquerda socialista, não tenha possa nos render frutos imediatos. Contra o pouco e o nada, urge que comecemos desde já a construir a alternativa do futuro.


Referências:

[01] http://ipeadata.gov.br/
[02] http://www.imf.org/external/datamapper/index.php
[03] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090402_medidas_crise_fa.shtml
[04] http://www.abin.gov.br/modules/articles/article.php?id=3968
[05] http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/demissoes-da-vale-desde-a-crise-ja-somam-cerca-de-2-mil/24273/
[06] http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u506862.shtml
[07] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1535755-9356,00.html
[08] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1018052-9356,00-EMBRAER+DIZ+A+LULA+QUE+CORTOU+DOS+FUNCIONARIOS+POR+CRISE+INTERNACIONAL.html
[09] http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2001/td_808.pdf
[10] http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/RELATORIOFEBRABANEvolucaodoCredito112007.pdf
[11] http://www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual2007/rel2007cap2p.pdf
[12] http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/minha-casa-atinge-408-da-meta-de-1-milhao-de-casas.html
[13] http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4406270-EI6579,00-Julio+contra+superaquecimento+BC+deveria+reduzir+credito.html
[14] http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/zhdinheiro/19,0,2819552,Para-reduzir-credito-BC-aumenta-taxa-do-deposito-compulsorio-de-bancos.html
[15] http://correiodobrasil.com.br/bndes-politica-industrial-e-outras-heresias-desenvolvimentistas/175804/
[16] http://portalexame.abril.com.br/economia/brasil/noticias/bndes-negocia-aporte-tesouro-2011-595569.html
[17] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM
[18] http://noticias.uol.com.br/politica/pesquisas/
[19] http://economia.ig.com.br/brasil+dispara+na+lista+dos+maiores+juros+do+mundo/n1237657822122.html

[20] http://br.finance.yahoo.com/noticias/No-vermelho-52-dos-inmoney-241750749.html?x=0
[21] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/
[22] http://www.atarde.com.br/economia/noticia.jsf?id=5608471
[23] http://www.stn.fazenda.gov.br/
[24] http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/politica-economica-de-lula-garante-lucros-aos-bancos
[25] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/artigo.2008-12-04.9272855712/document_view
[26] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/documentos/news_item.2006-11-09.2976978445/view?searchterm=d%C3%ADvida%20fhc
[27] http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml
[28] http://www.seade.gov.br/produtos/ped/metropolitana/anual/html/tab10.htm
[29] http://www.seade.gov.br/produtos/ped/metropolitana/anual/html/tab03.htm
[30] http://meusalario.uol.com.br/main/trabalhomais/compare-a-jornada-de-trabalho-do-brasil-com-as-de-outros-paises
[31] http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/422/economia/trabalho
[32] http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=199
[32a] http://www.direitoshumanos.etc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3800:reforma-agraria-regrediu-no-governo-lula-diz-stedile&catid=20:terra&Itemid=176
[33] http://hdr.undp.org/en/statistics/
[34] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2172rank.html?countryName=Brazil&countryCode=br&regionCode=sa&rank=10#br
[35] http://www.fgv.br/cps/ncm

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